Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A multiplicação dos empregos

Laurel Ptak criou uma obra polêmica. A artista escreveu um manifesto chamado “Salários pelo Facebook”, exibida no museu da Universidade da Califórnia em San Diego. De acordo com ela, todo usuário do site deveria receber um “salário” por conta do trabalho gratuito feito para ele (o texto pode ser lido em wagesforfacebook.com).

Apesar do exagero da obra, não dá para negar que o trabalho neste século está mudando completamente. Muita gente hoje trabalha das 8h às 18h para seus empregadores e, quando chega em casa, trabalha das 18h até tarde para várias empresas da internet.

Mesmo depois da jornada “oficial”, continuamos a produzir valor para alguém quando usamos serviços on-line. Essa produção acontece até nos tempos mortos da vida. Está esperando o elevador? Dá tempo de fazer um ou dois posts e gerar centavos em algum lugar.

Na França, o tema ganhou contornos institucionais. Um relatório do governo francês chega a debater se o imposto sobre folha de pagamento deveria ser estendido a esse “trabalho” feito nas redes sociais. A premissa é de que seríamos todos funcionários (ou “microfuncionários”) de várias empresas de tecnologia. Por conta disso, o valor gerado nessas atividades seria passível de tributação, tal como acontece na folha de pagamento “tradicional”.

Acordo social

É claro que essa discussão é complexa. E que o tema precisa ser visto com lentes mais sofisticadas do que aquelas usadas no passado. Mas é fato que as fronteiras entre trabalho, lazer e consumo estão deixando de existir.

Um relatório do Instituto de Museus e Bibliotecas dos EUA chama a atenção justamente para o fenômeno da multiplicação dos empregos. Se no século passado esperava-se que as pessoas tivessem no máximo dois empregos ao longo da vida, hoje a expectativa é que esse número seja entre dez e 15.

Nesse contexto, deveria ser aceitável atualizar o currículo profissional para incluir outras habilidades “profissionais”. Por exemplo, além de colunista da Folha, poderia adicionar: curador de conteúdo para o Facebook, organizador de informações para o Google, jornalista cidadão para o Twitter e o WhatsApp, corretor de imóveis para o Airbnb, colunista social para o Instagram, agente de talentos para o Kickstarter, DJ para o Spotify e gestor de banco de currículos para o LinkedIn.

Há quem proponha que o caminho é construir um novo pacto social sobre a criação e uso da informação, reafirmando a separação entre trabalho e vida, tarefa que hoje parece utópica.

Alguém conceberia um acordo social pelo qual ninguém mais precisaria ler ou responder mensagens no fim de semana? Ou fora do horário de trabalho? Ao menos, são provocações que sinalizam um desejo de que nossa relação com a informação torne-se também sustentável.

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Ronaldo Lemos é advogado e diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro