Antes do Google Inc. abrir o capital há 10 anos, Larry Page, um de seus fundadores, disse que queria que os usuários “saíssem do Google direto para o lugar certo o mais rápido possível”.
Hoje, o Google faz com frequência o contrário: fornece o maior volume de informação possível para manter o usuário no universo virtual da empresa.
Antes, a busca por um hotel no Google levava a 10 links para agências de viagem e operadores de hotéis. Agora, a busca mostra resenhas, fotos e a possibilidade de reservar um quarto na primeira página de resultados do Google. Procurando por um restaurante italiano perto da Times Square? O Google mostra horários, como chegar até lá e números de telefones com os quais o usuário pode ligar com um toque no smartphone. Procurando por seguro de carro no Reino Unido? O Google apresenta uma comparação das apólices disponíveis.
Esses resultados revelam como o maior mecanismo de busca do mundo está transformando seu principal negócio e a noção básica de busca. Hoje, com Page como diretor-presidente, a empresa da Califórnia é menos uma lista de sites na web e mais um destino, oferecendo comércio e conteúdo dentro de um leque crescente de serviços.
Essa transição promete ser complicada para a empresa e para milhões de outras que dependem dos seus resultados da busca para sobreviver. Anunciantes pagarão mais de US$ 50 bilhões para o gigante de buscas este ano por cliques que levam potenciais clientes aos seus websites. Ao oferecer sua própria lista de hotéis, por exemplo, o Google pode alienar anunciantes como agências de viagens on-line que pagam bilhões por ano à empresa.
Essas companhias temem que as mudanças do Google reduzam o número de reservas de onde elas tiram suas comissões. “Todo o valor adicionado está indo para o Google e tudo mais está se tornando uma commodity”, diz um ex-executivo de uma agência de viagem on-line.
Outro lugar
Essa mudança já levou a investigações antitruste ao redor do mundo, com algumas editoras on-line se queixando de que o Google usa sua grande influência sobre o que usuários da internet veem para promover seu próprio conteúdo e serviços, ajudando algumas empresas no processo enquanto prejudica outras.
Ela também pode comprometer a imagem do Google perante seus usuários como o mais efetivo e neutro índice de informação mundial. O Google se tornou o principal mecanismo de buscas porque direcionava de forma mais confiável o usuário diretamente para a informação procurada. Hoje, é a terceira companhia mais valiosa dos Estados Unidos, atrás da Apple Inc. e da Exxon Mobil Corp. Se, com o tempo, o Google passar a ser visto como um beneficiador de seu próprio conteúdo, não como um motor de buscas imparcial, o comportamento do usuário pode mudar.
Até o momento, existe pouca evidência disso nos resultados financeiros do Google. O faturamento com anúncios cresceu 18% no primeiro semestre comparado com um ano antes e a ação subiu 38% nos últimos 12 meses.
As mudanças do Google são amplamente motivadas pela adoção em massa de dispositivos móveis. A receita do Google com anúncios ligados a buscas em computadores pessoais caiu em 2013 pela primeira vez, pelos cálculos da eMarketer Inc. Nos smartphones, os usuários gastam mais tempo em aplicativos que na web que o Google organizou e monetizou com publicidade ligada a buscas. “A meta não é manter você no Google, é fornecer a informação que você precisa o mais rápido possível”, diz Ben Gomes, executivo do Google.
O Google afirma que, quando promove conteúdo próprio, está agindo em benefício do usuário que poderia ir para outro motor de busca se não gostar dos resultados. A fatia de mercado do Google nos EUA se manteve estável em torno de 67% nos últimos quatro anos, segundo a comScore.
Page já viu as coisas de forma diferente. “A maioria dos portais mostra mais seu próprio conteúdo”, disse ele em entrevista à “Playboy” em 2004. “Achamos que isso gera um conflito de interesses […]. O motor de buscas deles não fornece necessariamente os melhores resultados; fornece resultados do portal. O Google quer se distanciar disso.” Page não comentou para este artigo.
Os usuários do aplicativo Google Maps podem pedir um carro através do serviço de taxis da Uber Technologies Inc. O braço de capital de risco do Google investiu centenas de milhões de dólares no Uber, que não paga pela promoção, segundo uma pessoa a par do acordo. O Google não fornece links similares para os apps concorrentes, como Lift Inc. ou Sidecar. Mas um porta-voz diz que o Google está interessado em outras parcerias.
Os usuários “deveriam ter mais de uma escolha quando usam o Google Maps”, diz o diretor-presidente da Sidecar, Sunil Paul. A Lift e o Uber não comentaram.
A Piper Jaffray Cos. examinou no mês passado listas de 500 empresas em 20 cidades. E descobriu que o buscador local Yelp Inc. tinha, em média, mais avaliações de usuários e com mais detalhes que o Google. Mesmo assim, o Google promove suas próprias avaliações, com fotos das empresas locais, colocando-as mais alto da página de resultados que os links para as avaliações do Yelp. O Yelp não comentou.
Em uma proposta de acordo com os reguladores europeus, em fevereiro, o Google concordou em dedicar mais espaço aos concorrentes no topo de seus resultados de busca. Sob pressão de rivais do Google, alguns comissários antitruste da União Europeia querem reabrir a negociação para pressionar por sanções mais duras.
Por ora, as mudanças do Google ainda levam o usuário a completar a transação em outro lugar. Mas isso pode ser alterado. Segundo um executivo de uma empresa de comércio eletrônico, ele foi questionado pelo Google: “E se também fossemos a loja?”.
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Rolfe Winkler, do Wall Street Journal