O Secret, ao que parece, foi removido ontem da App Store brasileira, em obediência a uma ordem judicial. O aplicativo, um dos mais divertidos dos últimos tempos, tinha tudo para dar certo — só que não. A ideia é ótima, ainda que não seja de todo original: um ambiente onde é possível postar confissões no anonimato. As frases brancas sobre fotos ou fundos de cores diversas, que podem ser mudadas com o deslizar do dedo, compõem um visual lindo, interrompido aqui e ali por mensagens de pessoas que querem ir direto ao assunto e usam o velho preto no branco. Dois ícones na margem inferior direita marcam curtidas e comentários. O problema é que mesmo ferramentas criadas por pessoas de bem, cheias das melhores intenções, acabam caindo nas mãos de pessoas rudes e más. As pequenas mensagens, que deveriam em tese conter dúvidas, ideias e segredos, viraram um festival de baixaria, em que imperam calúnias e ciberbullying. Mas não era para ser assim.
“Não abro a geladeira há duas semanas, porque sei que tem um leite que azedou lá dentro. Estou tentando desesperadamente evitar aquele cheiro.”
“Não importa quão velho ou ‘legal’ eu esteja; se vejo um tira, logo penso que vou ser preso.”
“Sempre que vejo pessoas sentadas sozinhas num bar, converso com elas até seus amigos chegarem, ou as convido para minha mesa. Na metade do tempo me acham maluco… Não me incomodo. O que me mata é vê-las olharem umas para as outras e conversarem, e eu ali, arrasado por estar sozinho.”
“Um dia, depois que nós nos casarmos, vamos fazer tatuagens gêmeas com os números de telefone que tínhamos quando éramos crianças.”
Sem confiança
Esses são alguns segredos estampados, em inglês, na página de abertura do Secret.ly, o website do aplicativo. Eles são o ideal, a teoria que, na prática, virou pesadelo. No Brasil, é preciso passar por muita besteira de adolescente, muito conteúdo sexual e muito, mas muito mau português, até chegar a alguma coisa que compense o tempo perdido.
Se fosse só isso, seria fácil, ainda que triste, ver um brinquedo dessa qualidade destruído por boçais. Mas é impossível ignorar um aplicativo que está causando tanto sofrimento. A maldade e a vulgaridade que tomaram o Secret de assalto não são problema exclusivamente brasileiro. As opiniões na página de download do aplicativo na App Store americana adquirem, com frequência, um tom desesperado:
“Não baixem o Secret!!!” implorava, ontem, uma usuária. “O bullying virou uma praga, e aplicativos horríveis como esse só fazem estimular a prática!”
“Leiam isso!”, pedia outro usuário. “Este aplicativo seria ótimo para pessoas maduras, mas adolescentes estão postando fotos de garotas peladas e pessoas já querem se suicidar. Este app deve ser tirado de circulação! Sinto muito por quem está curtindo, mas o app está levando muita gente à loucura, não podemos postar nada sem sermos julgados e xingados de nomes horríveis! Lamento, mas cansei de ver pessoas dizendo que querem se matar e gente anônima respondendo para irem em frente.”
Pois é. E a ideia por trás do Secret, que só ganhou o mundo em maio, era tão boa: seus criadores queriam oferecer um contraponto às personas perfeitas, felizes e editadas das redes sociais, onde ninguém realmente se abre. “Construímos o Secret para que as pessoas possam ser elas mesmas e compartilhar qualquer coisa que estejam pensando ou sentindo, sem julgamentos”, escreveram por ocasião do lançamento. “Fizemos isso eliminando fotos e nomes dos perfis, e pondo a ênfase unicamente nas palavras e imagens compartilhadas. Assim, as pessoas podem se expressar livremente, sem restrições.”
Mas aí, justamente, está o X do problema: o ser humano não é um animal de confiança. Que pena.
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Cora Rónai é colunista do Globo