Saturday, 21 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Os selfies desnudos

Na conta, o estrago do domingo ficou assim: são vinte mulheres. Catorze atrizes, três modelos, uma cantora, uma ginasta e uma jogadora de futebol. Todas mais ou menos famosas: três estiveram no elenco da série “Glee”, uma fez a sonhadora Lady Sybil em “Downton Abbey”. Jennifer Lawrence venceu um Oscar. Em alguns casos, as fotos mostram uma nudez discreta. Noutros, há vídeos caseiros de sexo. Ao todo, na manhã de domingo, vazaram 479 arquivos privados. Ainda sabemos pouco sobre como apareceram. Fotos íntimas vazadas não são novidade no mundo pós-internet. Nesta quantidade, jamais ocorrera antes. E, desta vez, temos de aprender algo sobre a rede e sobre nós.

Os arquivos vieram à tona quando publicados no site 4Chan, uma comunidade que reúne de desocupados a hábeis hackers, quase sempre anônimos, nunca reconhecidos pela sensibilidade ou boas maneiras. Mas os boatos de que uma coleção de fotos de celebridades nuas existia circulavam pela internet faz algumas semanas. O primeiro que as publicou disse que havia quebrado a segurança do iCloud, o depósito de backups em nuvem da Apple, usado por quem é adepto de Macs, iPhones e iPads. Quem examinou os arquivos em detalhe, porém, tem dúvidas de que seja verdade.

No meio da pasta com fotos e vídeos da modelo Kate Upton aparece um arquivo de perguntas e respostas de outro sistema em nuvem, o DropBox. Muitas das imagens foram geradas por celulares Android. Algumas foram tiradas não com telefones, mas com câmeras digitais. É possível, sim, que uma vulnerabilidade do iCloud tenha sido explorada. Mas as origens dos arquivos parecem mais diversas. Por trás de cada um dos vazamentos deve haver uma história particular. Não é uma nuvem ou outra a vilã: são todas. As fraquezas não pertencem a uma empresa particular. Vulnerável é a internet.

Segurança frágil

Tampouco é fato que todas as imagens vazadas sejam verdadeiras. Pelo menos duas das atrizes na lista, Ariana Grande e Victoria Justice, cujas carreiras se iniciaram em programas infantis, dizem que suas fotos são falsas. E um analista já confirmou que as imagens de Justice realmente foram montadas num software como o Photoshop.

Trata-se, possivelmente, do trabalho de uma quadrilha de hackers que opera há alguns anos para alimentar um mercado negro de colecionadores on-line. Um pacote destes que reúnem vazou. Quem vazou diz ter imagens de 101 pessoas. De mulheres, nunca homens. Jovens e mais ou menos famosas.

Mas, por trás do frenesi que tomou a internet após o vazamento, um detalhe se perdeu. Porque, além de lindas e famosas, outro traço une as vinte: 15 têm menos de trinta anos. A mais velha ainda não fez 35. Todas nasceram da década de 1980 para cá. São digitais. Registrar sua nudez e compartilhá-la com quem se relacionam faz parte de suas vidas. Porque faz parte da vida de sua geração. Mesmo nos vídeos mais explícitos, o tom não é o de um filme pornográfico. Há humor, suor e ninguém tem a pele perfeita. É gente fazendo o que gente faz. Em alguns casos, o carinho dos parceiros é evidente.

Nunca um pacote tão grande de fotos vazadas veio assim à tona. Dificilmente será o último. Porque a segurança da internet é e seguirá sendo frágil. Assim como as moças não vão parar de enviar para quem desejam o registro de suas próprias imagens. São duas realidades inexoráveis. Nossa cultura evoluiu dessa forma.

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Pedro Doria, do Globo