Wednesday, 25 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Videogame como programa de TV

Nos anos 80, um dos passatempos da molecada era frequentar as antigas casas de jogos eletrônicos, os fliperamas. O mundo era diferente então. As máquinas vinham com cinzeiros acoplados, permitindo ao jogador a comodidade de fumar enquanto derrotava o chefe da fase. Os melhores jogadores tinham audiência cativa: uma roda de pessoas se formava em torno deles para acompanhar a jogatina.

Pano rápido para 2014. A Amazon acaba de adquirir, por US$ 1,1 bilhão, o Twitch. Trata-se de um site de vídeo especializado em transmitir partidas de videogames ao vivo. Alguns dos jogadores mais famosos no site atraem milhões de espectadores. Muitos outros, nem tão famosos, chegam a 200 mil assinantes em seus canais. O cinzeiro desapareceu, mas as pessoas que gostam de assistir a outras jogando games só crescem.

O Twitch, em seus momentos de pico, alcança audiência maior do que a de vários canais a cabo. É comum o site ultrapassar a CNN, o E! e até mesmo a rede MSNBC em espectadores. Atualmente, ele chega a ter picos próximos da audiência da MTV americana.

Um dia típico no Twitch consiste em milhares de jogadores transmitindo suas partidas de casa. Há também campeonatos de títulos como “Counter Strike” ou “League of Legends”, que contam com narradores e comentadores, no melhor estilo Galvão Bueno. O site abriga também ligas esportivas de diversos jogos, que crescem e se profissionalizam tais como as ligas dos esportes tradicionais.

Jogo de espelhos

Em síntese, o Twitch virou um grande negócio. E, para comprá-lo, a Amazon enfrentou uma disputa acirrada com o Google, que perdeu no último lance.

Quem acha que o modelo do Twitch só funciona fora do Brasil se engana. Jogadores brasileiros já atraem milhões de assinantes no YouTube. Um bom exemplo é Eduardo Faria, brasileiro radicado em Portugal. Seu canal, Venom Extreme, tem 3,5 milhões de assinantes.

Vários outros gamers brasileiros não fazem feio, como o Monark (2,8 milhões de assinantes), o Tazercraft (1,1 milhão de assinantes) ou o RezendeEvil (894 mil assinantes). Cada um deles é uma celebridade entre jovens, mesmo que o mundo adulto não faça a menor ideia disso.

O sucesso do Twitch dá o que pensar sobre como as mídias vão se modificando. Não só os games se tornaram elementos culturais centrais, como também estamos diante de um curioso fenômeno: as pessoas gostam de assistir a outras pessoas assistindo a alguma coisa.

Esse ponto foi levantado por Deb Roy, pesquisador do MIT Media Lab. Estudando a relação entre redes sociais e a televisão, ele notou que várias vezes um programa com audiência de 5 milhões de espectadores tinha até 20% dessa audiência falando sobre ele nas mídias sociais. As publicações alcançavam 25 milhões de pessoas que acompanhavam pela internet as pessoas que estavam assistindo ao programa.

Como os fliperamas dos anos 80, esse jogo de espelhos está provando ter audiência cativa.

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Ronaldo Lemos é advogado e diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro