Saturday, 21 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Um crime na internet

O AnonIB está fora do ar faz seis dias. Foi neste site, há pouco mais de uma semana, que apareceram pela primeira vez as fotos pessoais de Jennifer Lawrence, Kate Upton e outras tantas atrizes e modelos. Era um site pouquíssimo conhecido. Lá, diariamente, se reuniu sem preocupações e durante anos uma peculiar mistura de hackers e voyeurs colecionadores de imagens. Suas vítimas não eram só celebridades. E o tamanho do estrago que fizeram torna a sua uma das mais inacreditáveis histórias do submundo da rede.

Existem muitos fóruns on-line como o AnonIB. Sites dedicados a discussões as mais diversas. A maioria é inocente, mas não neste caso. O mais popular diretório do AnonIB era o /stol, abreviação de stolen. Roubadas. Era lá que hackers mais ou menos talentosos se encontravam com os colecionadores. Desta dinâmica nasciam suas conquistas. Cada uma delas um novo crime.

Os pedidos nasciam de um colecionador. Quase sempre homens jovens, ainda no ensino médio ou estudantes universitários. Suas vítimas, em geral, eram colegas de classe, namoradas de amigos, amigas. Sua função no negócio era trazer o e-mail com o qual as moças se comunicavam, além de informações que pudessem contribuir para acessar suas informações na nuvem.

No AnonIB, o iCloud da Apple era o serviço preferido dos hackers. Mas também valiam serviços equivalentes de Google, DropBox ou outros. Os hackers usavam inúmeras técnicas. As mais simples envolviam explorar os mecanismos para recuperação de senha em caso de esquecimento. No caso da iCloud, por exemplo, basta responder a três perguntas como o nome de solteira da mãe, a cidade em que a pessoa se criou, o nome da professora primária. Quem trazia o nome da vítima se encarregava de ajudar na coleta destes dados. Hackers mais espertos usavam também softwares especializados em quebrar senhas.

Quebra pontual

Ao entrar na conta de uma moça, na maioria das vezes, encontravam material inocente. Quando havia nudez, classificavam o caso como uma win. Uma vitória. Hacker e colecionador ficavam com cópias das imagens. E trocavam com outros hackers e colecionadores. Vez por outra, celebridades viravam alvos. Informação pessoal sobre elas, para o resgate de senhas, não é difícil de encontrar pela rede. Mas celebridades não foram as principais vítimas do AnonIB.

Este bando, com sua subcultura muito peculiar, tinha preocupação em manter uma discrição mínima. As fotos não eram tornadas públicas e apenas trocadas internamente. Não à toa estes rapazes se consideravam colecionadores. Gostavam da ideia de exclusividade na posse das imagens e compreendiam que um grande vazamento exporia os crimes que praticavam.

Até que, na última semana de agosto, um dos colecionadores decidiu vender cópias dos registros de celebridades que tinha em mãos. Pediu dinheiro. Quem estava no fórum duvidou de que tivesse realmente aquilo que dizia ter. Publicou versões com tarjas pretas. Não convenceu. Publicou, então, um pacote de pouco mais de duzentas fotografias. Oferecia mais para quem estivesse disposto a pagar.

Tudo foi parar em fóruns mais conhecidos. E aí ganhou o mundo. A Apple tem razão quando informa que o iCloud não foi quebrado. Cada quebra foi pontual, dirigida. Mas, para aquela turba, o seu era considerado o sistema em nuvem mais frágil. Turba, pois é. Um dos maiores grupos criminosos da história da internet.

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Pedro Doria, do Globo