Quando foi a última vez que você digitou um longo e-mail para um amigo? Talvez não se lembre. E qual foi a última vez que soltou um suspiro desanimado diante de uma caixa lotada de mensagens inúteis? Provavelmente hoje mesmo. Ele é um quarentão que pouco mudou nas últimas décadas e tem sua segurança frequentemente questionada. Carece da agilidade de aplicativos como o WhatsApp e nem sempre permite ao remetente saber se o conteúdo já foi lido pelo destinatário, como no Messenger do Facebook. Mas a maioria de nós reclama sem conseguir se livrar dele – o correio eletrônico. A mais previsível das ferramentas de comunicação on-line mostra-se capaz de resistir ao tempo, às previsões de gigantes do Vale do Silício e até a um número crescente de empresas ávidas por extingui-lo. Ao contrário da avaliação de gurus das redes sociais, o número de contas de e-mail só cresce: as atuais 4,1 bilhões deverão chegar a 5,2 bilhões em 2018, um aumento de 26%, segundo a Radicati, a maior companhia de análise de mensagens eletrônicas dos Estados Unidos, radicada na Califórnia.
Aqueles que preferem as redes sociais ou aplicativos para conversar com parentes e amigos não estão sozinhos. Pesquisas comprovam que o uso do e-mail para mensagens pessoais está mesmo caindo, e são as empresas as maiores usuárias da ferramenta. Mais da metade das mensagens enviadas vem delas – 108,7 bilhões todos os dias. E é por isso, alegam especialistas, que decretar a morte do e-mail seria um exagero. Assim como Platão falhou ao acreditar que a escrita acabaria com a memória humana, executivos como Mark Zuckerberg erram ao achar que aplicativos como o Messenger poderão substituir completamente o velho correio eletrônico. Ele ainda dá lucro.
– Enquanto houver negócios, haverá e-mail. O Twitter e o WhatsApp são ótimos para mensagens informais. O mural do Facebook tem um papel fantástico como os velhos jornais-murais da escola, capazes de chamar a atenção de qualquer um que passe por ali. O e-mail é ótimo para comunicação formal e produz muito mais lucros do que as redes sociais. No ano passado, 63% dos consumidores nos EUA disseram ter feito uma compra on-line como resultado direto de um e-mail marketing e 68% acham o e-mail a melhor forma de ficar sabendo de promoções – afirma Shiva Ayyadurai, criador do EchoMail, o primeiro software de gerenciamento de e-mails, criado em 1993.
Brasil é campeão de empresas na lista negra do spam
Os detratores do e-mail, porém, são implacáveis. Alegam tratar-se de uma tecnologia obsoleta, facilmente substituível pela instantaneidade das redes sociais. Queixam-se do volume e do spam – e o Brasil, aliás, é o país com mais empresas presentes nas chamadas “blacklists”, listas de endereços de rede (IP) que são fontes de spam, com 79% dos IPs listados pelo menos uma vez, segundo pesquisa da Return Path, empresa de inteligência em e-mail.
Os críticos lembram, ainda, que toda uma nova geração de usuários de internet não recorre mais à ferramenta para se comunicar. A Universidade de Exeter, no Sudoeste da Inglaterra, reforça a teoria. Neste ano, a entidade se viu forçada a contratar analistas de mídias sociais para lidar com os pedidos de estudantes cada vez menos dispostos a usar o e-mail da instituição – considerado lento e pesado. Se antes ter um endereço eletrônico de uma prestigiosa instituição de ensino era o primeiro passaporte para a vida adulta numa universidade, hoje, é um fardo virtual.
– É verdade. Os jovens preferem maneiras mais rápidas e empolgantes de se comunicar. Mas isso até eles chegarem ao mundo corporativo, onde o e-mail é uma ferramenta de trabalho importante, que não vai a lugar algum, mas apenas está se transformando em um mecanismo específico de comunicação. O e-mail é como a barata da internet. Tudo pode acabar, mas ele resistirá – garante Clive Thompson, repórter de tecnologia da “New York Times Magazine” e autor do livro “Mais espertos do que se pensa: como a tecnologia está mudando nossas mentes para melhor”.
A favor do e-mail estão ainda fatos técnicos. Ele é, de certa forma, um mal necessário, já que quase todos os sites que exigem na internet um registro de acesso usam o e-mail como chave de acesso. E é visto também como uma ferramenta aberta, universal, ao contrário das redes sociais, configuradas como ecossistemas fechados e independentes. De acordo com a consultoria Radicati, ao todo, circulam hoje por dia quase 200 milhões de e-mails gerados por 2,5 bilhões de usuários normalmente estressados com esse gigantesco volume de informação. Administrar esse excesso de comunicação virtual tornou-se um desafio urgente para empregadores e empregados.
– Nós nos acostumamos a mandar e-mails demais e a checar e-mails demais. Quais as chances de que você, mesmo num dia de folga, cheque seu e-mail pelo celular e acabe respondendo a alguma mensagem profissional que não seja urgente? Eu diria que grandes. Fazemos isso e depois nos sentimos culpados, mas continuamos com o mau comportamento. É preciso uma mudança cultural para acabar com a tirania do e-mail – observa Thompson.
Empresas tentam limitar e até eliminar o uso do e-mail
Limitar o uso do correio eletrônico já é tendência na Europa. Companhias como as alemãs Volkswagen e Deutsche Telekom estiveram entre as primeiras a adotar medidas restritivas para alguns de seus funcionários: a ferramenta deve ser usada somente em períodos limitados, de 7h às 19h, por exemplo. A ideia é fazer com que as pessoas repensem o conceito de “urgência” e aliviem os níveis de estresse dos superconectados de nossos dias. Um estudo recente da Universidade da Califórnia indica que pessoas empregadas checam sua caixa de entrada 74 vezes por dia em média. Outra pesquisa, da consultoria americana McKinsey Global Institute, revela que os funcionários perdem 28% de seu tempo durante a semana apenas acompanhando o fluxo de suas caixas de entrada.
Para alguns, o e-mail virou um inimigo a ser combatido. Desde 2011, a consultoria francesa Atos ousou ao implantar o programa “E-mail Zero”. Um estudo interno mostrou que 40% das mensagens recebidas por dia pelos funcionários não tinham relevância. Outros 18% eram spam, e diretores gastavam entre cinco e 20 horas por semana somente lendo e respondendo e-mails. Era necessário frear a perda de tempo e aumentar a produtividade. Para isso, implantou-se uma rede social corporativa, em que blogs e microblogs tornaram-se centros coletivos de informação e disseminação de conteúdos. Para a comunicação instantânea, elegeu-se a videoconferência e um sistema de mensagens rápidas, nos moldes do popular Google Talk. O volume de e-mails caiu 60%.
– Quando você se sente parte de uma rede social, consegue um nível de engajamento e interação muito maior, traz para as discussões pessoas que você nem sempre conhece e enriquece o debate. Nossa rede social interna, a QBlue, tem 7.000 comunidades. Quando funcionário chega, começa a se cadastrar nas comunidades ligadas à sua área. É uma mudança grande de mentalidade. Notamos que hoje o e-mail é muito usado para arquivar conteúdo e coordenar fluxos de trabalho – conta Fernando Simões, diretor de Consultoria da Atos no Brasil.
Experimentos assim revelam que mesmo aqueles que tentaram se livrar deles, falharam. Para o especialista em inovação Christian Buckley, blogueiro da revista “Wired”, integração é a chave do futuro. E, claro, convencer as novas gerações de que a boa e velha caixa privada de mensagens vale tanto a pena quanto os 140 caracteres do Twitter ou as imagens efêmeras do Snapchat.
– Os jovens buscam várias formas de comunicação. Apesar de a tecnologia do e-mail não ter mudado, ela tem sido integrada a outras plataformas de gestão social. Vejo que as redes têm adotado características do e-mail e, no futuro, esses dois se tornarão ainda mais alinhados, possivelmente até virando uma única plataforma. Mas será que a minha capacidade de enviar uma mensagem a uma única pessoa com um link ou anexo vai acabar? E, se isso for feito pelo Yammer, o Skype ou outra ferramenta, vamos chamá-lo de ‘e-mail?’. Provavelmente não, mas a própria funcionalidade não vai embora. O Gmail e Hotmail como plataformas singulares podem acabar, mas e-mail como serviço fica – prevê Buckley. [Reportagem publicada na revista vespertina para tablets “O Globo a Mais”]
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Renata Malkes, do Globo