Não é segredo que o Secret não foi bem recebido em seu primeiro contato com a Justiça brasileira.
Trata-se do aplicativo que possibilita falar anonimamente para seus contatos de redes sociais. Ele permite contar “segredos” para os amigos do Facebook, mas ninguém sabe quem fala o quê. A única informação é se o autor do segredo é amigo, amigo de amigo e, em alguns casos, a cidade da pessoa.
Como era de se esperar, o modelo gerou controvérsias tanto nos Estados Unidos, país original do serviço, quanto no Brasil.
O programa acabou sendo usado para revelar segredos industriais, falar mal dos colegas de trabalho e também para bullying. Nos EUA, tudo está nos limites da liberdade de expressão. Já no Brasil, o tratamento foi outro.
A Justiça do Espírito Santo, em ação movida pelo Ministério Público, tomou a decisão de tirar o aplicativo do ar no dia 19 de agosto. Ordenou que ele fosse retirado das lojas virtuais do Google e da Apple. E determinou que fosse removido remotamente dos smartphones de quem baixou.
A justificativa era que o aplicativo Secret violava o artigo da Constituição que garante a liberdade da manifestação do pensamento, mas veda o anonimato.
Violação da lei
A questão é que o Secret não é realmente anônimo. Para utilizá-lo, é preciso se cadastrar nas lojas que o distribuem, fornecer o número de cartão de crédito e também os dados do Facebook. Se esse raciocínio sobre o anonimato for levado às últimas consequências, outros serviços de internet precisam ser proibidos, como o próprio o e-mail, que é muito mais anônimo que o Secret.
Além disso, o Marco Civil resolveu legalmente esse dilema constitucional, ao determinar a guarda de dados de conexão e acesso de todos os sites no Brasil por tempo limitado, assegurando, que nenhum serviço deve ser retirado do ar no país, seja por que motivo for.
Em uma virada no caso, o Tribunal do Espírito Santo revogou no último dia 9 de setembro a decisão de proibir o aplicativo.
A decisão é bem fundamentada e importante para evitar que erros como esse se repitam no futuro: proibir sites e serviços on-line deve ser prática tolerada apenas em países autoritários.
A decisão diz que “não obstante o anonimato que figura como a própria razão de ser do aplicativo, não me parece haver dúvidas quanto à possibilidade de identificação do usuário por meio do endereço IP”.
Sobre a determinação de remover remotamente o aplicativo do celular de quem já tinha baixado, a decisão diz que seria “violação do direito à privacidade dos usuários”.
E vai além. Diz que tal medida violaria a lei penal no Brasil, pois equivaleria a “invadir dispositivo informático alheio conectado à internet sem autorização do titular”, prática que gera pena de até um ano de detenção (definida pela chamada “Lei Carolina Dieckmann”).
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Ronaldo Lemos é advogado e diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro