Saturday, 21 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Na China, muralha digital cria gigantes

Responsável pela maior oferta pública inicial de ações da história, de US$ 25 bilhões, a chinesa Alibaba chamou a atenção do mundo para o crescente poder do país na internet. Com quase um terço dos usuários da rede no mundo, a China é hoje a sede de grupos como Tencent e Baidu. Estes gigantes, depois de conquistar os mais de 630 milhões de internautas locais, começam a expandir suas fronteiras.

Esse movimento está relacionado, em grande parte, a uma obra do governo chinês que pode ser comparada ao maior ponto turístico do país: a Grande Muralha da China. Só que nessa versão moderna da fortificação, o bloqueio é no mundo virtual.

Iniciado há cerca de 15 anos, o ‘Golden Shield Project’, ou o grande ‘firewall’ da China, como também é conhecido – em referência ao equipamento usado por empresas para proteger suas redes – é um sistema que bloqueia o acesso a serviços como Facebook, Google e Twitter e sites de notícias como a agência Bloomberg e o jornal “The Wall Street Journal” a partir da China. Segundo o site Greatfire.org, dos 960 sites mais visitados no mundo, 145 (cerca de 15%) são bloqueados na China.

Para os ocidentais que desembarcam no aeroporto internacional de Pudong, em Xangai, o bloqueio causa transtornos logo de cara. Afinal, não é possível compartilhar uma ‘selfie’ no Facebook ou achar um endereço nos mapas do Google pelo telefone celular. Curiosamente, o sistema de troca de mensagens WhatsApp e o Instagram, ambos do Facebook, podem ser usados normalmente no país.

E foi nesse contexto de internet fechada que as companhias locais se desenvolveram, criando serviços semelhantes aos de companhias americanas e europeias. Para fazer uma busca, por exemplo, os chineses usam o Baidu e não o Google. Na hora de trocar mensagens, o WeChat, da Tencent, e o Sina Weibo são preferidos em detrimento do WhatsApp e do Twitter.

Para fazer compras on-line, o destino preferido é o Tao Bao, do Alibaba. “Os serviços às vezes não são tão bons, mas funcionam muito bem para o mercado chinês, foram construídos levando em conta a realidade do país”, disse o engenheiro chinês Dai Tian, que já morou no Brasil.

Acesso prejudicado

O funcionamento da muralha digital chinesa envolve o uso de tecnologias de monitoramento das informações que trafegam na internet e um contingente estimado entre 30 mil e 50 mil pessoas. É como se o país tivesse uma empresa do tamanho do Google – que tem 49.829 mil funcionários em todo o mundo – dedicada somente ao bloqueio de sites. A estrutura superdimensionada tem uma razão de ser. A China tem mais de 630 milhões de internautas, quase um terço dos dois bilhões de usuários da rede no mundo.

O bloqueio às páginas, usado como um controle social e político pelo Partido Comunista, cria inconvenientes para os estrangeiros que chegam ao país e também irrita os chineses. “Eles tentam nos cegar, deixar o povo surdo”, reclama a chinesa Heidi Meng. Nascida e criada na cidade de Xangai, a capital financeira do país, Heidi tem o biotipo típico dos habitantes da região: baixa e magra. “Temos ossos pequenos e nos alimentamos melhor que a população do norte”, diz ela. Com dois celulares nas mãos, ela conta que ganha o equivalente a R$ 100 por dia ajudando turistas a conhecer Xangai.

Mesmo sem concordar com o bloqueio à internet, ela diz que a rotina extenuante acaba fazendo com que essa questão tenha um impacto pequeno no seu dia a dia. “Você tem que trabalhar tanto por conta da pressão do governo, que aumenta os preços de tudo, que nem dá tempo de pensar nisso”, disse.

Apesar do rigor no monitoramento dos acessos, não é difícil achar formas de driblar o bloqueio. O mais comum deles, usado principalmente por ocidentais, é contratar serviços conhecidos como redes privadas virtuais, ou VPNs na sigla em inglês.

Uma VPN [ ] é uma espécie de túnel particular que corre dentro do grande tubo das comunicações digitais. Por meio dela, o internauta pode mascarar a origem de seu acesso. Isso significa que, ao acessar um site a partir da China usando uma VPN, o internauta navega como se estivesse em outro país, driblando, assim o ‘firewall’ do país. Serviços como SecureVPN e TunnelBear cobram entre US$ 50 e US$ 80 por ano e podem ser usados tanto no PC, quanto em tablets e smartphones.

O problema é que as VPNs podem deixar a conexão lenta já que o caminho percorrido pelas informações fica um pouco maior que o convencional. Os serviços também não são totalmente imunes à muralha digital. “O acesso parece ficar prejudicado quando notícias sobre questões de espionagem e privacidade aparecem no noticiário internacional. Parece que o governo aperta a vigilância”, disse o engenheiro Ricardo Augusto, que mora na China há dois anos. [O repórter viajou a convite da Huawei.]

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Gustavo Brigatto, do Valor Econômico, de Xangai