Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O fim do Orkut

Em janeiro de 2004, pouco menos de um mês antes de o hoje todo-poderoso Mark Zuckerberg lançar o thefacebook – protótipo do que posteriormente viria a ser a atual maior rede social do mundo, o Orkut entrava no ar pela primeira vez. Batizado com o nome de seu idealizador, o turco Orkut Büyükkökten, a rede social americana rapidamente se popularizou no Brasil transformando-se em uma febre que parecia não arrefecer. Parecia. Depois de entrar em um longo processo decadente frente à concorrência e se tornar vítima de seu próprio mal – a ‘orkutização’; nesta terça-feira, 30 de setembro, a pioneira rede social do Google encerra as atividades deixando um enorme legado à social media e uma multidão de brasileiros nostálgicos.

Desde seu surgimento o Orkut teve grande impacto no Brasil, o que não veio a acontecer de forma concreta e duradoura em seu próprio país de origem, onde os números da época já mostravam a inclinação dos americanos pelo falecido MySpace, lançado em 2003. Não demorou para os brasileiros superarem os EUA na quantidade de usuários cadastrados: em junho de 2004 o país saiu da terceira posição para assumir a liderança no Orkut, com 30,63% do uso da rede, o que levou o Google a criar uma versão em português no ano seguinte. A adesão em massa, na época só possível através de convites de usuários já cadastrados, fomentou reações xenófobas que rechaçavam a onda verde e amarela. No entanto, comunidades como a ‘Too Many Brazilians on Orkut’ (‘Muitos brasileiros no Orkut’, em português) logo foram engolidas pela brasilidade dos usuários.

A prosperidade da rede social se manteve sólida e intocável por seis anos no Brasil. Em 2006, cerca de 70% dos usuários eram brasileiros, participação que foi proporcionalmente reduzida quando indianos e paquistaneses também se apaixonaram pelo Orkut. Mas os queridinhos nunca deixaram de estar no Brasil. Os laços com o país foram tão estreitos que em 2008, quando mais de 50% de seus usuários eram brasileiros – e consequentemente o número de processos judiciais também, o Google transferiu a sede administrativa da rede social da Califórnia para a capital mineira Belo Horizonte.

O Orkut estava consolidado nas terras tupiniquins e intrínseco ao processo que incluiu progressivamente os brasileiros na web, hoje responsáveis por 10% do tempo consumido globalmente pelas redes sociais, perdendo apenas para os EUA. Até mesmo aqueles que não possuíam uma conexão de boa qualidade, na época grande parte da população, tinham a chance de acessar seus perfis no Orkut com a opção de exibir a versão simplificada da página em HTML.

– O Orkut foi fundamental para introduzir as redes sociais no Brasil e difundir a utilização geral da Internet – explica a professora e pesquisadora do Laboratório de Tecnologia de Comunicação, Cultura e Subjetividade da Uerj, Letícia Perani. — A chamada ‘inclusão digital’ brasileira deve muito a essa rede. Nos estudos de Comunicação e Cibercultura, o Orkut foi um objeto de estudo fundamental para explicar as novas formas de sociabilidade e construção do conhecimento que temos hoje com as ferramentas web – explica.

Reação instantânea

Em 2010, um ano após o Orkut passar por sua primeira repaginada de funcionalidades e layout, o Ibope apontava liderança absoluta da rede (91% dos acessos) comparado ao Facebook (14%) e ao Twitter (13%). No entanto, confirmando a previsão dos gurus tecnológicos e de parte da imprensa especializada, no ano seguinte, o fenômeno de Mark Zuckerbeg engoliu o Orkut, que nunca mais foi o mesmo. Em agosto de 2011, o Facebook registrou 30,9 milhões de usuários, cerca de dois milhões a mais que seu maior concorrente em território nacional. A queda foi livre e irrefreável: desde a ultrapassagem, num período de três anos, a participação do Orkut em acessos fixos no Brasil diminuiu 95,6%.

Para a pesquisadora da Uerj, a ‘novidade’ que o Facebook representava não foi um fator decisivo para a derrocada do Orkut, e sim o comportamento que a ‘rede social do momento’ estabeleceu aos usuários somado à incapacidade do Orkut de se adaptar aos tablets e smartphones:

– O Facebook se mostrou uma ferramenta mais de acordo com as necessidades do internauta 2.0. Ao compartilhar conteúdo na linha do tempo, o usuário se torna fonte de informação, seja pessoal ou de interesse público. Enquanto o Facebook parece um bate-boca rápido, quase que instantâneo, o Orkut mais parecia um mural de informações sobre as pessoas – reflete.

Numa tentativa de combater o crescimento do Facebook, o Google lançou, em 2011, o Google+, rede social que pretendia integrar todos os serviços da empresa. A ferramenta, que nunca chegou a decolar no Brasil, deixou o Orkut ainda mais para escanteio. Em junho deste ano, o Google lançou um comunicado anunciando o inevitável: o Orkut encerraria as atividades no dia 30 de setembro, deixando 6 milhões de órfãos brasileiros que ainda são ativos na rede. A reação foi instantânea: nostálgicos, fãs de todo o país reuniram quase 90 mil assinaturas em uma petição online para que o gigante da tecnologia não encerrasse a memória viva do comportamento social brasileiro na internet. Não surtiu efeito, nesta terça o Orkut fecha as portas. ‘Sdds’ (saudades, em ‘internetês’), Orkut.

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Sdds Orkut!

Em meados de 2004, os internautas brasileiros estavam ávidos em ganhar um convite para participar de um site novo com um nome estranho: ‘Orkut? O que é isso?’. Até se tornar popular, perguntar a alguém ‘Você tem Orkut?’ poderia soar indelicado. A rede social, no entanto, virou febre em pouco tempo, assim como, pouco tempo depois, começou a ruir. Nesta terça-feira, cerca de 10 anos após a sua criação, o Orkut vai sair do ar, deixando uma herança nostálgica e especial para grande parte dos internautas brasileiros.

Você se lembra de como ficou feliz em encontrar aquele colega da escola que não tinha notícias há anos? Como esquecer da expectativa em receber um scrap novo, ou poder ver a contagem dos recados aumentarem? Você era do tipo que só ‘add com scrap’ ou que respondia e apagava? Quem nunca se emocionou em receber um depoimento? Ou se desesperou por aceitar um depoimento que, na verdade, não era pra aceitar? Aliás, você lembra de qual amigo era fã no Orkut? Já achou alguém 100% sexy, legal e confiável?

Numa era pré-timeline, o perfil do Orkut era um dos principais pontos da rede. Descrever um perfil era mais do que colocar uma frase de efeito no ‘quem sou eu’ – de baladeiros de plantão, até esportistas e amantes da natureza, ainda havia os que preferiam que os animais ficassem no zoológico.

Das saudades que o Orkut irá deixar no mundo virtual, as comunidades certamente serão uma das mais lembradas. Com muitas utilidades, elas serviam como fórum de informações, fonte de downloads, espaço para novas amizades, além de serem uma extensão do perfil. Para conhecer alguém de verdade no Orkut, bastava passar por suas listas de comunidade e descobrir preferências por musicas, filmes, livros ou senso de humor.

Aliás, senso de humor não faltava na rede. O Orkut sempre surpreendia seus usuários com alguma novidade, seja trazendo os números da loteria na ‘Sorte do dia’ ou, sem avisar, emplacando uma ferramenta nova – os visitantes de perfil, que dedurava quem visitou a sua página. Pode confessar: nesse dia todos nós ‘trememos na base’, mas adoramos descobrir quem stalkeava nossos perfis.

Muita coisa mudou após o Orkut. Talvez seja difícil mensurar a importância que a rede teve nos nossos relacionamentos atuais, como mudou a maneira como usamos a internet, ou influenciou no tempo que as redes sociais passaram a ocupar no nosso dia a dia. Mesmo com o fim do Orkut, ainda poderemos nos deparar com uma lembrança boa da ‘época do orkut’, ou acompanhar a ‘orkutização’ de outras redes sociais em alguns momentos. O Orkut sai do ar nesta terça-feira. Entretanto, nos prós e contras do mundo virtual, nada sai da rede sem deixar algum vestígio. Muitos ‘donuts’ para nós.

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Fica Orkut: Ainda há vida nas comunidades

Nesta terça-feira [30/9] o Orkut sai do ar. No entanto, engana-se quem pensa que a rede social estava em estado vegetativo esperando o seu fim anunciado. Algumas comunidades da rede ainda continuavam ativas e com a participação constante de seus membros. Um exemplo de atividade na rede social é a comunidade Futebol Alternativo, criada pelo jornalista Leonardo Bonassoli.

Curitibano, Leonardo lembra que criou a comunidade em uma manhã cinzenta de 29 de abril de 2004. O grupo foi crescendo de uma forma bem gradativa, já que inicialmente, era necessário um convite para ter um perfil na rede. Posteriormente, a ‘Futebol Alternativo’, ou FA – como é chamada pelos seus membros – passou a ser conhecida por intermédio das comunidades relacionadas e pela propaganda boca-a-boca entre usuários da rede. Assim, a comunidade começou a ganhar milhares de membros e se tornar conhecida no Orkut.

Nesses mais de 10 anos, a FA contabilizou inúmeras histórias. Uma das mais queridas é a relação da comunidade com a Associação Desportiva Perilima, um clube de futebol de Campina Grande. O time é famoso por causa do Seu Pedro, fundador e jodador do clube. Aos 66 anos, Seu Pedro é um dos jogadores profissionais mais velhos do mundo.

– Em situação financeira complicada, alguns membros fizeram uma campanha, que foi abraçada pela descrição da comunidade. As dívidas do time foram pagas com a compra de camisas. Como reconhecimento, a Perilima colocou nas mangas da camisa FA=49510, que é o número da comunidade no Orkut – conta Leonardo.

Outra história é sobre o personagem da foto da comunidade, que só teve uma única mudança durante os anos – a frase ‘Fica Orkut’.

– Trata-se do ex-meia peruano Carlos ‘Kukín’ Flores, conhecido pela trajetória errática e cheia de confusões. A mais recente é que ele confessou que tinha um método para não cair no antidoping por cocaína, porém, não revelaria para não dar mau exemplo – relata o criador da FA.

Para Leonardo, se tivesse cabeça, Kukin seria o maior jogador peruano dos últimos 15 anos.

– Canhoto habilidoso e bom na bola parada, era cheio de jogadinhas de beach soccer – descreve.

Da comunidade ‘Futebol Alternativo’ outras surgiram, como a ‘Futebol (não) Alternativo’, a ‘Futebol Alternativo Off-Topics’ e a ‘Fórmula 1 Alternativa’, entre outros. De acordo com o jornalista, muitos membros continuaram no Orkut, mesmo depois do abandono de muitos usuários da rede social, por causa da organização dos tópicos de discussão, o que, segundo Leornardo, nenhuma outra rede social posterior conseguiu fazer.

– O Facebook não faz isso e na versão do Facebook da comunidade tem uma folia de tópicos repetidos. Alguns migraram para outras redes de fóruns, mas decidimos adotar oficialmente um sistema próprio, desenvolvido por membros da FAmiglia (nome que é usado para as várias comunidades correlatas da FA) para abrigar nossas comunidades.

Felizmente, a história da ‘Futebol Altenativo’ e de muitas outras comunidades do Orkut não será perdida. O Google anunciou que será criado um arquivo público com todos os tópicos e informações das comunidades públicas da rede. (M.P.)

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Frederico Portela e Mariana Pelegrini, do Globo