Muitas tecnologias pareceriam difíceis de imaginar há uma década, como os smartphones atuais, mas já estavam na prancheta dos designers e engenheiros das empresas na época. Da mesma forma, a Internet Tátil começa a tomar forma, conforme mostra estudo da União Internacional de Telecomunicações (UIT) divulgado na sexta-feira (2/9). Trata-se de uma rede que permitirá que os sentidos humanos possam interagir com máquinas, envolvendo não apenas interação audiovisual, mas também o tato, integrando o corpo humano a sistemas robóticos e de realidade virtual com latência mínima de 1 milissegundo (ms).
O estudo da UIT-T, elaborado por diversos técnicos da entidade e de empresas como Nokia, Alcatel-Lucent, Ericsson, Vodafone e Fraunhofer Heinrich-Hertz Institute, prevê que a tecnologia será a próxima onda de inovação após a Internet das Coisas. “Latência extremamente baixa, em combinação com alta disponibilidade, confiabilidade e segurança, vão definir o perfil da Internet Tátil”, diz o estudo. Entre as aplicações, está a indústria de automação e sistemas de transporte para saúde, educação e games.
“Para que sistemas técnicos se igualem à interação humana com o ambiente, nosso tempo de reação natural determina as metas que as especificações técnicas precisam atender”, diz a entidade. O tempo de resposta humana para o tato é de 1 ms, enquanto a visão é de 10 ms e a audição, 100 ms. A UIT diz que essa meta de 1 ms é necessária para a introdução do corpo humano (e não apenas o audiovisual) em um ambiente de realidade virtual – qualquer latência acima disso provocaria o que a entidade chama de “cybersickness”, dando uma sensação de desorientação e mal estar como a experimentada no mar ou em um avião.
Infraestrutura
Naturalmente, além de dispositivos e equipamentos nas pontas para os usuários, a Internet Tátil precisará também de uma rede extremamente robusta e moderna. No esquema pensado pelos pesquisadores, o sensor mede o valor, o dado é pré-processado e enviado ao sistema embutido que controla a interface aérea, que então passa os dados por camadas de protocolos à camada física. A mesma coisa acontece do lado receptor, formando uma cadeia reversa – a UIT usa como exemplo uma estação radiobase conectada a uma nuvem móvel, onde o controle dos sistemas acontece e onde as decisões são feitas.
O estudo reconhece que é preciso “mudanças de paradigmas para garantir tanto a segurança dos dados quanto a disponibilidade e dependência dos sistemas”. Para garantir a segurança, seria preciso embuti-la na transmissão física, com técnicas de codificação que só permitam ao receptor legítimo processar a mensagem de maneira segura. “Mesmo com poder computacional infinito, uma bisbilhotagem não poderia decodificar a mensagem. Do ponto de vista matemático, essa abordagem dá segurança absoluta.”
Tudo isso só poderá se tornar realidade utilizando uma plataforma com arquitetura de serviço distribuído – a latência mínima exige que aplicações sejam mantidas locais, próximas dos usuários. Mas, como a luz viaja a 300 km/s, para garantir a latência de 1 ms, a distância máxima (para permitir ida e volta do sinal) teria de ser abaixo dos 150 km. Para resolver isso, a entidade sugere a utilização de uma nuvem móvel local (Mobile Edge Cloud) – uma espécie de rede de distribuição de conteúdo (CDN) específica para serviços de Internet Tátil, funções de controle de rede virtualizada e interfaces com redes sem fios. Tudo estaria ligado ao core de rede, que, por sua vez, conecta-se à nuvem central.
Da parte dos sensores, a ideia é utilizar compressão de dados inteligente, com “mínimo delay algorítmico”, para otimização do sistema aliada a técnicas de “plausabilidade” para prever valores antes de eles serem solicitados. A UIT diz que métodos de processamento na rede são “soluções promissoras”, que melhoram o dado bruto entregue com informação adicional para cada nó entre a fonte e o destino. Isso vai requerer das futuras redes “grandes melhorias no contexto de comunicações entre estações”, exigindo novos desenhos de protocolos.
Além disso, há as redes de acesso sem fio – as atuais não conseguem lidar com latências tão baixas. “As redes de acesso do futuro precisarão da habilidade de aliar latências de caminho único de apenas 200 microssegundos (µs), com capacidade de alocação de recursos para blocos de radiofrequência dez vezes mais rápido do que LTE.”
Aplicações
A latência mínima, assegura a UIT, trará ainda uma revolução para a Internet das Coisas, tradicionalmente composta por objetos de baixo consumo de energia e de tráfego, e com alta tolerância a latências grande. A ideia é proporcionar uma interação homem-máquina melhor, o que a entidade acredita que representaria “um nível de revolução para o desenvolvimento da sociedade, economia e cultura”.
A Internet Tátil poderia melhorar o aprendizado, com cursos online com simulações realistas – como um simulador de voo ou de direção, por exemplo. Além disso, seria possível que médicos examinassem à distância um paciente, ou mesmo desempenhar operações em telemedicina de forma mais natural graças às características de sensibilidade tátil. Há ainda a possibilidade de próteses e exoesqueletos melhorando a mobilidade para pacientes com deficiências.
A UIT dá como exemplo ainda “zonas de segurança pessoal”: espécies de bolhas criadas em torno da pessoa e que, em contato com um veículo, por exemplo, permitam que o carro desvie automaticamente ao chegar à situação de proximidade crítica. Ou dar a robôs e máquinas um limite físico para que não machuquem pessoas. Outras aplicações são a de conectividade entre carros para diminuir o tráfego em smart cities e no desenvolvimento de redes de distribuição de energia inteligentes, as smart grids.
A União Internacional de Telecomunicações sugere a coordenação de um cronograma de padronização entre os vários stakeholders. Além disso, afirma que um bom gerenciamento de espectro é pré-requisito para o desenvolvimento da tecnologia. A entidade afirma se tratar de uma plataforma ideal para essa gestão “dado o papel vital da UIT no gerenciamento de espectro de radiofrequência e órbitas de satélite, seu alcance global incluindo países em desenvolvimento, e a capacidade de experiência em definir novos horizontes tecnológicos por meio de publicação de requisições de padrões”.
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Bruno do Amaral, do Teletime