Quando leio um alerta de notícia urgente online, às vezes, faço um teste. Espero cerca de uma hora e pesquiso o fato na mídia social. Pode ser a degola de mais um refém do Exército Islâmico ou a suspeita de Ebola do missionário em Cascavel. Uso o exemplo do Ebola porque escrevo na véspera do teste final que pode mostrar que o missionário da Guiné não contraiu o vírus.
Quem lesse parte das manifestações na rede social poderia temer que estávamos em meio a uma peste medieval. E seria também exposto a comentários racistas repugnantes. Sim, a linha de tempo destes sites não discrimina entre médicos sanitaristas e ignorantes com fobias. Você escolhe quem acompanha. Exatamente. Você escolhe quem acompanha com base em interesses, mas também em preconceitos. E quando digo você, não estou discriminando entre médicos sanitaristas, fóbicos desinformados e racistas.
No fim da semana passada, postei tuítes sobre minha impressão de que o Petrolão não erodiu a base eleitoral de Dilma, como o Mensalão não tomou votos de Lula. Torcendo para estar enganada desta vez – enganada sobre o interesse do eleitor de cobrar transparência e honestidade com a coisa pública, não expressando euforia partidária, lembrei de uma viagem ao Brasil em 2005. A transmissão ao vivo das revelações do Mensalão eram eletrizantes e os fatos tão graves que, supus com ingenuidade, iam provocar uma grande virada política. Como a escala do Petrolão é ainda mais revoltante, destaquei o fato de o escândalo não ter, até a semana passada, afetado a candidatura de Dilma Rousseff. Imaginei que, numa hipótese fantástica de Paulo Roberto Costa ter mandado entregar dinheiro no Planalto, isto não afastaria eleitores de Dilma. Nada parecia aderir à proteção de Teflon que testemunhei antes. Pois um jornalista disparou: “Triste ver uma jornalista dizer que quem vota na Dilma é desonesto e burro”. Como me parecia uma pessoa cordata, reagi: “leia o que escrevi”. E ele se desculpou por colocar palavras na minha boca. Mais uma troca inconsequente na rotina superficial e exagerada da rede social.
Força inercial
Mas não há nada de superficial ou de exagero em avaliar o poder destrutivo da mídia social e 2014 é um bom ano para dar atenção a este poder. A narrativa predominante da era digital é de triunfo: como a internet liberta, democratiza conhecimento, promove riqueza, facilita a educação, instiga revoluções e abre possibilidades para a medicina. Tudo isso é verdade e merece celebração.
Vamos lembrar 2014 como o ano em que o mais violento e niilista grupo radical que se diz islâmico usou a mídia social para aterrorizar e recrutar. Porque os vídeos de reféns sendo degolados pelos monstros do Estado Islâmico ou seus grupos terceirizados são uma ferramenta poderosa contra a qual ainda não sabemos reagir. Censurar? Exibir para provocar indignação? Os militantes não têm este dilema. Conhecem perfeitamente seus dois públicos-alvo e sua campanha, do ponto de vista de marketing, vai muito bem.
A inovação tecnológica não é moral, mas ela não existe num vácuo de poder ou de ética. É preciso separar a tecnologia que permite a criação de um website com mais membros do que a população de todos os países do mundo, menos a China, do uso que fazemos desta mídia. É só acompanhar a mídia social ucraniana e a russa, desde a invasão e anexação da Crimeia, para avaliar uma das novas possibilidades deste meio: a dissolução na nação estado como era conhecida no último século.
Um estudo recente do Pew Research Center mostrou em números as multidões cada vez mais polarizadas. Se uma conversa sobre política começa no Twitter, ela se torna quase sempre um debate entre dois polos extremos em que fatos só vêm à tona por sua utilidade em confirmar uma convicção.
É um mundo em que um adolescente no sul do Brasil pode se identificar mais com um jovem recrutado para se suicidar em martírio na Síria e não com a família, o país e a cultura em que foi educado. Uma amiga da Califórnia me surpreendeu revelando que cortou o Wi-Fi em casa. Colocou o computador da filha pré-adolescente na área comum usada como escritório e explicou: “Não quero que ela feche a porta do quarto e emigre para outro país mental”.
É um cenário assustador e não reconhecer isto por medo de parecer ludita é viver na bolha triunfalista zuckerberguiana. É a bolha onde lhe oferecem sempre mais do que você quer, não o que se passa de fato e possa causar desconforto. É preciso não confundir a mídia social com um mundo igualitário. Assim como o pátio de recreio da escola, a mídia social tem suas hierarquias, seus bullies e seus seguidores acríticos. Da Praça Tahrir, no Cairo, ao quebra-quebra dos black blocs em São Paulo, a força centrífuga da mídia social – vale lembrar que a Física define o movimento centrífugo como uma força inercial – não apenas acelera artificialmente tendências e movimentos sociais. Ela é, sobretudo, intolerante com a dissidência da reflexão.
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Lúcia Guimarães é colunista do Estado de S.Paulo, em Nova York