Alguém, em algum beco escuro da internet, acha que os seguintes itens têm a ver comigo: saias curtas na altura das coxas, camisetas sem mangas e bem cavadas, chapéus com detalhes metálicos, t-shirts estampadas com letras enormes e dizeres irônicos.
Tudo supermoderno, descolado e… feminino. Por quê? Sou um senhor de meia-idade, grisalho, heterossexual e que, com todo respeito ao genial “crossdresser” Laerte, se veste com roupas masculinas. Não tenho filhas, nem sobrinhas, nem ninguém próximo que use esse tipo de moda. Mas esse tipo de moda me bombardeia.
Entro em um site sério de notícias, como o da própria Folha, e está lá um anúncio divulgando a última coleção da marca. Navego pelo “New York Times”, idem: essa mesma publicidade preenche os espaços em branco e se oferece para mim, justamente o ser menos interessado da Via Láctea nos tais produtos.
Um vídeo de rock no YouTube, só para espairecer, que tal? Aperto “play” e o fantasma surge ali também: um rodapé de propaganda me empurrando roupas para mocinhas pós-adolescentes. É assim no computador do trabalho, no de casa, no tablet. Só não acontece na tela do telefone, mas isso provavelmente porque uso um modelo tão ultrapassado que nada é compatível com aquele sistema operacional caduco.
Mas como me transformei em uma vítima da moda, ou melhor, em uma vítima dos anúncios de moda? Vamos voltar algumas semanas no tempo.
Minha triste saga começou no Twitter, mais especificamente na conta da seção de estilo do site BuzzFeed.
Como a essas alturas quase todo mundo já sabe, o BuzzFeed, baseado em Nova York, se especializa em notícias curtas e curiosas. Também foi quem lançou a mania de listas que hoje inferniza a internet (“25 coisas que causam brigas entre casais”; “31 fotos do festival mais jeca do mundo”; “30 discos de britpop que merecem ser reeditados” etc. etc.). É um sucesso colossal.
Ranço geracional
Como eu dizia, estava dando uma olhada no que o @BuzzFeedFashion andava tuitando. Por motivos além da minha capacidade de racionalização, cliquei em um link que dizia algo como “conheça a marca de roupas preferida da [jovem e bela atriz da série “Crepúsculo”] Kristen Stewart”. Vacilo fatal.
Acabei caindo em uma suposta reportagem do BuzzFeed sobre uma grife indie de roupas, chamada Wildfang, de Portland (EUA), a cidade-fofura.
Nunca fui nem irei à loja da Wildfang, mas imagino que seja daquelas aonde as clientes chegam de bicicleta de madeira sem marcha, e as vendedoras trazem de casa seus próprios vasilhames de vidro para com eles tomar água da torneira (comprar garrafas plásticas no supermercado agride o meio ambiente).
As roupas devem ser feitas com fibras de algodão orgânico colhido no Peru por uma cooperativa organizada por ativistas californianos. E por aí vai.
Acontece que o BuzzFeed não é especializado só em listas. Também é o rei de fazer o que, na era da internet, ganhou o bonito nome de “conteúdo patrocinado” –e que antigamente se chamava matéria paga. É publicidade disfarçada de jornalismo.
O material sobre a Wildfang era justamente isso: um anúncio com verniz de reportagem, que despejava elogio em cima de elogio e listava as jovens estrelas do cinema e da música que usam a grife: além de Kristen Stewart, Kate Mara, Janelle Monáe, Evan Rachel Wood e Ellen Page.
Mais do que ser apenas um anúncio envergonhado, o tal link trazia escondido algum dispositivo on-line que me fichou como fã da Wildfang e instalou nos meus navegadores algo que faz disparar anúncios da marca em qualquer site que eu entre.
Ao clicar na “reportagem” do BuzzFeed sobre as roupas da Wildfang, o que se esperava era um texto feito por um(a) repórter de moda, de opiniões próprias. E que se dedica integralmente ao assunto, entende muito e seria capaz de apresentar os lançamentos de uma maneira crítica –apontando virtudes e falhas, comparando com outras marcas etc.
Mas não era nada disso: era material pago, uma propaganda sem-vergonha, sem nenhuma indicação de que se tratava de um comercial, e que ainda por cima infestou meus computadores com anúncios indesejados.
Pode ser um bobo ranço geracional, mas tenho enorme dificuldade para aceitar que conteúdo informativo e publicidade se transformem em uma coisa só.
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Álvaro Pereira Júnior é colunista da Folha de S.Paulo