Lançados há pouco no Brasil, dois livros de autores americanos (o ensaio “24/7 ““ Capitalismo Tardio e os Fins do Sono”, de Jonathan Crary, e o romance “O Círculo”, de Dave Eggers) provocam certa incredulidade com sua visão apocalíptica da vida digital. Mas basta olhar em volta que o ceticismo passa.
Pessoas estão em posição quase fetal, abduzidas pelas telas de seus celulares. Parecem bebês ou macacos. De um rádio em alto volume, saem clamores de uma emissora para que os ouvintes compartilhem, tuítem, instagramizem.
Crary mostra que está sendo quebrada nossa última cidadela: a do sono. Experimentos de privação de sono –com soldados e prisioneiros– têm sido feitos para que mais gente fique acordada por mais tempo, trabalhando e consumindo. Muitos de nós despertamos de madrugada e conferimos o celular. Ou nos sentimos, se desconectados, perdendo algo importante.
Sem silêncios
Na linha de “1984”, de George Orwell, e “Admirável Mundo Novo”, de Aldous Huxley, o livro de Eggers apresenta um cenário de controle absoluto. Numa grande empresa do futuro próximo, os funcionários são constrangidos a interagir todo o tempo com aquela “comunidade”. A palavra-chave é “transparência”. Tudo deve ser compartilhado; recolher-se é ser egoísta.
Como sabemos, o WhatsApp dedura o momento em que a mensagem foi lida, mantendo aquecido o fluxo de bytes. Os algoritmos captam o que clicamos ou compramos e montam o nosso perfil existencial.
A partir das informações que há na internet, softwares de empresas privadas apontam “potenciais criminosos”. Polícias estão testando essas tecnologias “preventivas” em alguns países. Controla-se a população para supostamente protegê-la, como fazem os EUA em escala planetária.
É um tempo sem silêncios, segredos ou pausas. Um tempo sem tempo.
******
Luiz Fernando Vianna, da Folha de S.Paulo