Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Japão vira um oásis para a ‘bitcoin’

O homem que transformou sozinho o Japão em um oásis para os empreendedores que operaram com a moeda digital bitcoin estava sendo bajulado por seus simpatizantes políticos. O preço de admissão: US$ 83,75.

Espremidos em uma pequena sala reservada de um restaurante chinês não muito distante do parlamento em Tóquio, Mineyuki Fukuda estava na cabeceira da mesa, reunido com meia dúzia de técnicos. Fukuda começou explicando como ele, um legislador em segundo mandato, participante de uma obscura subcomissão supervisora de sistemas de pagamentos eletrônicos, acabou encarregado da política do Japão para a bitcoin.

Nove meses atrás, apenas um punhado de autoridades japonesas havia ouvido falar da moeda digital, e muito menos de algo chamado Mt.Gox, um “banco bitcoin” comandado por um francês que morava em Tóquio. Depois que uma quantidade de dinheiro virtual avaliada em US$ 473 milhões foi roubada por hackers, o governo finalmente foi forçado a perguntar: “O que é bitcoin?” E o mais importante: quem deveria regular essa moeda.

“O Ministério das Finanças não queria lidar com ela, assim como o Ministério do Comércio”, disse o político de 50 anos, com uma fina gravata cor-de-rosa e os cabelos escuros rebeldes salientando seu terno cinza. “Sobrou para mim.”

Para se inteirar da situação, Fukuda saiu a campo. Ele se encontrou com operadores, programadores e comerciantes para descobrir como a bitcoin funciona, e como não funciona. Um popular blog o mostrou perto de um computador com seus circuitos expostos e sorrindo para um empresário que parecia mais um skatista que um homem de negócios.

Em vez de elaborar uma lei, Fukuda decidiu estimular o setor a criar suas próprias regras e fiscalizá-las. Cultivar novos negócios é parte da agenda do premiê Shinzo Abe, de modo que Fukuda conseguiu convencer seus colegas do Partido Liberal Democrático a correr o risco com a abordagem não intervencionista.

Padrões distintos

Para o japonês médio, a bitcoin começou e terminou com o colapso do Mt. Gox. Ela é vista como uma esquisitice importada que agora está morta. Hoje em dia, a grande maioria dos entusiastas que se reúnem semanalmente em Tóquio é formada por expatriados. Fukuda afirma que quer mudar isso.

Mesmo assim, às vezes é uma coisa solitária ser a única autoridade do governo encarregada de uma tecnologia que poucos compreendem. Durante uma missão exploratória aos Estados Unidos em setembro, Fukuda diz ter sido esnobado pelo congressista Jared Polis, do Colorado, que cancelou uma reunião na última hora. Quando Fukuda tenta informar as pessoas em Yokohama, seu reduto eleitoral, sobre sua nova pasta, a resposta geralmente é: hein!.

Naquela fria noite de novembro, porém, Fukuda compartilhou chá de oolong, vinho envelhecido chinês e carne de porco agridoce com seus colegas biterati, um grupo de sete apoiadores e dois jornalistas comprimidos em torno da mesa. Uma plateia rara que pôde apreciar as considerações de Fukuda sobre os potenciais usos do blockchain, o registro online permanente que impede a bitcoin de ser falsificada.

“Para mim, a bitcoin é apenas uma forma de dinheiro”, disse Fukuda aos presentes. “O que me interessa realmente é o futuro do blockchain.” “Tem razão, tem razão”, foram as respostas em torno da mesa.

“Pegue, por exemplo, o processo de registro de títulos de propriedade”, continuou Fukuda. “Hoje o governo precisa manter os registros. Se o blockchain fosse usado, todo mundo saberia quem é dono do que e o governo não precisaria ser envolvido.”

Um dos convivas continuou tentando direcionar a conversa para o ramo das teorias da conspiração envolvendo o banco central, um assunto preferido entre aqueles que adotaram inicialmente a bitcoin.

Cada um contribuiu com um mínimo de 10.000 ienes, ou cerca de US$ 84, para bancar a viagem de Fukuda aos EUA, onde ele esteve na Rede de Fiscalização de Crimes Financeiros do Tesouro americano e se encontrou com alguns empresários que operam com a bitcoin. O partido de Fukuda não cobriu suas despesas porque ele já havia consumido seu orçamento para viagens. A principal mensagem que ele trouxe de volta para casa: “Todos eles disseram que gostariam que os Estados Unidos tivessem feito da maneira como o Japão está fazendo.”

Quando se trata de regulamentar a bitcoin, há vários padrões. O Reino Unido vem se mantendo quieto sobre o assunto, deixando para os empreendedores o questionamento sobre o que vai acontecer, enquanto os EUA e a China foram rápidos em criar uma regulamentação para limitar as especulações e impedir a lavagem de dinheiro.

“Carteira inerte”

Então, há o Japão, onde Fukuda fez algumas concessões inteligentes. Sua primeira iniciativa foi definir a bitcoin usando uma linguagem propositalmente nebulosa que está fora do alcance das leis japonesas para o setor bancário. A maioria dos países decidiu que a bitcoin é uma moeda ou uma commodity. A formulação de Fukuda – “valor registrado digital” – é que ela não é nenhuma dessas coisas.

Em seguida, ele se reuniu com uma das pessoas que estavam ao redor da mesa naquela noite, um ex-operador do Goldman Sachs de 38 anos, que saiu do banco um ano atrás para iniciar sua própria bolsa de bitcoins, um substituto ao Mt. Gox. Fukuda convenceu Yuzo Kano a estabelecer um grupo de negociação chamado Japan Authority of Digital Asset (Jada).

A ideia é fazer com que os negócios com bitcoins adotem alguns padrões básicos, como a certificação de que o dinheiro de contrapartida permanecerá estocado off-line em uma “carteira inerte”, para que os hackers não tenham acesso a ele, ou a exigência de fazer com que os possuidores se identifiquem em selfies, com suas carteiras de motorista aparecendo na fotografia. Desde o início das atividades da JADA, em agosto, cinco companhias aderiram.

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Pavel Alpeyev e Jason Clenfield, da Bloomberg