Wednesday, 25 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

O mundo tenebroso do ‘spam’

Para muitas pessoas, escreve o jornalista especializado em segurança na internet Brian Krebs, os spams tornaram-se uma piada. No entanto, as ofertas, cheias de erros gramaticais, de remédios para disfunção erétil e outros males que invadem as caixas de mensagens de todo mundo são um negócio muito sério – produto de uma máquina criminosa internacional que lucra com a ansiedade dos destinatários, afasta consumidores de empresas legítimas e inova constantemente para colher nossos dados pessoais.

Em Spam Nation, Krebs investiga o comércio de medicamentos ilícitos que está por trás dessas mensagens indesejadas e segue sua trilha até o submundo russo de programadores de vírus, fornecedores de infraestrutura e empresas de pagamentos. Esse próspero “ecossistema” de chantagem e corrupção não é visto dessa forma pelos que estão dentro dele: seu “modelo mental”, explica um de seus entrevistados, “é o de que eles vendem um produto de qualidade a uma audiência que o deseja”.

O mercado de spams é protegido por alguns membros do establishment russo em troca de subornos que chegam a dar-se até na forma, um tanto bizarra, de patrocínios a um time de vôlei. Também se beneficia da falta de coordenação internacional e da aplicação da lei contra crimes cibernéticos. Até os laboratórios farmacêuticos, que têm claro interesse em enfrentar fornecedores de drogas ilícitas, nem sempre estão dispostos a entrar na luta. Krebs escreve que seria fácil para as grandes farmacêuticas exporem os perigos das mercadorias dos spams – há evidências de terríveis efeitos colaterais –, mas sugere que não se financiam pesquisas em parte pelo medo de que alguns dos medicamentos ilegais acabem se mostrando seguros e eficazes.

Krebs também fala dos que se dispõem a comprar pílulas de origem desconhecida. Nos Estados Unidos, muitas vezes são pessoas sem seguro de saúde em busca de uma forma mais barata de conseguir remédios; em outros países desenvolvidos, o mercado é mais limitado a drogas recreativas ou “confidenciais”.

Em 2008, o autor havia feito a cobertura, pelo The Washington Post, do que chamou de “guerra das farmas”. Agora, ele tem um blog, Krebs on security. Em 2013, ele revelou a violação de dados da varejista Target, dos Estados Unidos. Spam Nation beneficia-se dos contatos de Krebs no submundo do cibercrime, onde ele parece ter conquistado admiração, mesmo que relutante, pela capacidade de expor o trabalho dessas fontes de informação e de rivais.

Mundo oculto

Infelizmente, apesar de todo esse conhecimento detalhado, Krebs não oferece a narrativa vibrante e a caracterização plena que dariam mais vida à história. Quando ele viaja à Rússia para encontrar-se com esses bem conectados criminosos – certamente, uma experiência amedrontadora – o leitor nunca sente realmente essa tensão.

Spam Nation começa com uma reportagem feita há sete anos; e sete anos é muito tempo no submundo do crime cibernético. Os receios quanto aos spams em massa, que podem ser filtrados por antivírus, deram lugar ao medo de ataques muito mais direcionados. Krebs fala de vírus que “sequestram” o computador da vítima e permitem ao hacker pedir resgate do usuário, e os botnets, que podem colher dados e vendê-los no submundo em “bazares” do crime.

Há muito mais com que se preocupar, no entanto. A partir de “ameaças avançadas persistentes”, ataques patrocinados por governos, usados principalmente em espionagem empresarial, técnicas complexas vêm chegando ao alcance de criminosos. Embora muitas pessoas consigam livrar-se dos spams convencionais, o phishing (e-mails distribuídos em massa, que buscam extrair dados pessoais) está sendo sucedido pelo “phishing com arpão”, direcionado a pessoas ou grupos específicos, muitas vezes valendo-se de dados das redes de relacionamento social para formular mensagens muitos mais críveis.

Para um livro sobre uma área em que todos os olhos estão voltados para o futuro, Spam Nation passa uma sensação ligeiramente “histórica”. Ainda assim, traz revelações sobre um mundo oculto e altamente organizado e sobre a escala que o problema alcança. Se o spam é uma piada, então o alvo da piada cada vez mais parecemos ser nós mesmos.

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Hannah Kuchler, do Financial Times