É possível que estejamos assistindo ao nascimento de uma nova potência militar hacker. Vem de um dos lugares mais improváveis no planeta: a Coreia do Norte. O canto com menos acesso à internet que há. Países capazes de atuar utilizando técnicas de guerra cibernética de alto nível eram poucos. Em particular, China, Rússia, EUA e Israel. O país do ditador Kim Jong-un nega ter qualquer coisa a ver com o ataque feito à Sony Pictures, no último dia 28. Foi, provavelmente, o pior sofrido por uma empresa na história da internet. No mínimo, o mais custoso.
Foram vazados cinco filmes, o salário de seis mil e tantos funcionários, incluindo 17 executivos que recebem mais de US$ 1 milhão por ano e o da princesa Beatrice, neta da rainha Elizabeth (£ 19,5 mil mensais, ou cerca de R$ 81 mil). Tornaram também públicos os números de seguridade social, equivalente ao nosso CPF, de todos que trabalham na empresa e muitos que por lá passaram, mas não estão mais. Saíram ainda dados sobre a estratégia financeira da companhia. Hoje, para cada US$ 1 bilhão investidos, lucram entre US$ 500 e 600 milhões; querem fazer o mesmo resultado investindo entre US$ 800 e 900 milhões.
Quem assumiu o estrago foi um grupo hacker até agora desconhecido: o GOP, sigla para Guardiões da Paz em inglês. Seus comunicados saíram em inglês ruim. Há, porém, uma série de indícios que ligam este ataque à Coreia do Norte. O primeiro é que seu governo reclamou, publicamente, da comédia A Entrevista, que faz troça daquela ditadura. É da Sony. O segundo é mais preciso. O programa escrito para invadir as máquinas tem vários trechos parecidos com o usado para atacar três bancos e três redes de televisão sul-coreanas, em 2013.
Guerra digital
Os indícios, portanto, parecem concentrar o ataque entre um de dois grupos. Um foi apelidado de “Dark Seoul Gang” pela Symantec, uma empresa de segurança. A Gangue Escura de Seul. Embora se saiba pouco a seu respeito, suas atividades são percebidas desde 2009. Vêm, aos poucos, tornando-se mais e mais ousadas. O outro é a Unidade 121 do exército norte-coreano. Existe a possibilidade que o grupo detectado pela Symantec seja a Unidade 121, mas ainda não está claro. Segundo um relatório das Forças Armadas americanas, a Unidade 121 foi treinada por agentes russos e chineses. Como a Coreia do Norte não tem acesso livre à internet, os soldados engenheiros trabalham em um hotel que pertence à Coreia localizado já dentro da China, a três horas da fronteira. Segundo desertores que se tornaram fontes das agências de inteligência do ocidente, o grupo especializado já opera, pelo menos, desde 2003. E eles têm alguma sofisticação. Foram capazes, por exemplo, de embaralhar e passar coordenadas falsas para o GPS das marinhas de EUA e Coreia do Sul, que faziam exercícios de guerra no oceano, em 2011. O país também firmou um acordo de cooperação em guerra cibernética com o Irã, que teve centrífugas nucleares sabotadas por EUA e Israel com um vírus.
É muito fácil transformar a Coreia do Norte em piada. O kitsch de sua arte e o jeito excessivamente caricato de seus ditadores ajudam. É também uma tragédia humanitária. Trata-se do único país fora da África no qual o Índice Mundial da Fome piorou desde o início do século 21. Mas é chute: de tão secreto, ninguém conhece números precisos. Possivelmente mais da metade dos 25 milhões de habitantes sejam muito pobres. É uma ditadura brutal, violenta. E, talvez, proficiente na arte da guerra digital.
Ainda não está confirmado que o ataque à Sony veio de lá. Tampouco está claro o quanto a inépcia interna da empresa ajudou os hackers. Mas provavelmente ouviremos mais e mais da Unidade 121 nos próximos anos.
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Pedro Doria, do Globo