A China está abertamente destruindo a visão dos Estados Unidos de uma internet livre e aberta. Com o objetivo de manter o frágil equilíbrio entre controle da informação, estabilidade social e política e constante modernização e crescimento econômico para uma população online de mais de 600 milhões, o governo chinês tenta modificar o modo como as nações entendem seu papel na governança da internet, por meio de um conceito chamado “soberania da internet”.
A soberania da internet se refere à ideia de que um país tem o direito de controlar a atividade da internet dentro de suas fronteiras, o que a China chama de extensão natural da autoridade de um Estado-nação no controle de seus assuntos internos e internacionais. Para os EUA e outras nações ocidentais, entretanto, a governança da internet é delegada a um conjunto abrangente de atores que incluem o governo, a sociedade civil, o setor privado, o meio acadêmico e organizações nacionais e internacionais (também conhecido como modelo de governança multissetorial).
Lu Wei, diretor do Departamento Estatal de Informação da Internet e diretor de um poderoso grupo de estratégia de cibersegurança formado por altos líderes da China, é o chefe administrativo da internet chinesa. Com um longo passado de trabalho no aparelho de propaganda chinês, Lu esteve por trás das recentes campanhas da China para promover sua concepção de soberania da internet no exterior, incluindo uma viagem a Washington e ao Vale do Silício na primeira semana de dezembro.
Em seu discurso em 2 de dezembro no Fórum EUA-China da Indústria da Internet, por exemplo, ele tentou eliminar a distinção entre os modelos americano e chinês de governança da rede. Comparou as abordagens multissetorial, apoiada pelos EUA, e a “multilateral” (centralizada no Estado), apoiada pela China, de governança da internet, dizendo: “Sem ‘multilateral’ não haveria ‘multissetorial’.”
A influência de Lu é apoiada por anos de ativa promoção da soberania da internet pela China em iniciativas de propaganda interna, documentos oficiais do governo, conferências, reuniões bilaterais e multilaterais e reuniões da ONU. Como afirmo em um relatório recente, o controle administrativo da Internet se encaixa perfeitamente na estratégia mais ampla de cibersegurança chinesa: manter o domínio do Partido Comunista Chinês no país. Controlar a atividade da internet permitiria à China dominar a divulgação de informações, censurar sites delicados e a mídia social e conter outras potenciais fontes de inquietação que pudessem desafiar a legitimidade do PCC.
A lista de conteúdo online proibido na China inclui qualquer informação que represente risco para a segurança do Estado, prejudique a honra e os interesses do Estado, dissemine rumores e perturbe a ordem e a estabilidade social. Esses regulamentos draconianos são reforçados pela literatura chinesa sobre estratégias de cibersegurança. Acadêmicos cibernéticos chineses, por exemplo, tomaram nota dos casos em que a perda de controle da internet derrubou os regimes da Tunísia e do Egito. Nada assusta mais o PCC governante que a perspectiva de que uma internet sem controle tenha um resultado semelhante na China.
A China envolveu a comunidade internacional nessa frente, desejando mostrar aos outros países que é um ator responsável e cooperativo em questões tecnológicas. Compreendendo que as normas e a lei internacionais ainda precisam codificar a governança da Internet e a ciberatividade, a China investiu um esforço significativo para definir o rumo das normas internacionais na governança da internet.
O impulso chinês para a soberania da internet ganhou impulso depois que Edward Snowden divulgou informações sobre os programas de vigilância da Agência de Segurança Nacional dos EUA. Capitalizando o sentimento antiamericano em outros países autoritários como Rússia, Irã e Arábia Saudita, a China incitou os países em desenvolvimento, que têm crescentes populações online, a considerar os benefícios do controle da internet.
A China também empregou uma estratégia de sinceridade e confiança para envolver-se e promover sua mensagem, mas com frequência ela é contraproducente. Em novembro passado, a China abrigou sua primeira Conferência Mundial da Internet em Wuzhen, cujo tema foi “Um mundo interconectado, compartilhado e governado por todos.”
A conferência reuniu diversos executivos empresariais e autoridades governamentais da China e internacionais, para, segundo a carta de boas-vindas do presidente Xi Jinping, “contribuir com ideias criativas, somar conhecimento e formar consenso para garantir que a internet traga benefícios ainda maiores para a humanidade”.
Pelo nome, o tema da conferência se alinha às concepções ocidentais de governança da internet, mas a motivação subjacente da China para realizar o encontro foi muito diferente. Na última noite antes do fim do mesmo, os organizadores distribuíram um rascunho da Declaração de Wuzhen, que seria divulgada na cerimônia de encerramento horas depois, na manhã seguinte, dando aos participantes pouco tempo para se opor ao conteúdo ou apresentar revisões.
A declaração continha nove recomendações para a governança da internet, incluindo uma para se “respeitar a soberania da internet em todos os países. Devemos respeitar os direitos ao desenvolvimento de cada país, o uso e a governança da internet, refrear os abusos de recursos e forças tecnológicas para violar a soberania da internet de outros países”. Assim que surgiu a notícia das intenções da China com essa declaração, os organizadores da conferência omitiram qualquer menção à mesma durante a cerimônia de encerramento.
Mas a soberania da internet é apenas um aspecto da estratégia de cibersegurança da China, e sua realização pode impedir ou contradizer outras prioridades, tais como o crescimento econômico ou a expansão do acesso dos cidadãos à rede. À luz desses objetivos concorrentes, será difícil para a China sustentar esse modelo de “internet com características chinesas”.
Expandir ou controlar?
Expandir o acesso à internet aumentará o número de cidadãos cuja atividade na rede a China terá de monitorar ou controlar, potencialmente sobrecarregando os recursos do governo central. Além disso, limitar o acesso à informação poderia impactar negativamente as aspirações de companhias chinesas a entrar nos mercados internacionais, ou limitar informações que ajudariam no crescimento econômico. Por fim, uma internet rigidamente regulamentada impediu algumas empresas – como o Google, que deixou a China em 2010 devido a regulamentos de censura – de realizar negócios na China.
Independentemente de que a abordagem rudimentar da China ao promover sua visão seja ou não eficaz, o país continuará perseguindo essa contranarrativa e tentando convencer a comunidade internacional a aceitar o conceito de soberania da internet. Apesar dessa empreitada, o público local e o internacional notaram as limitações e os obstáculos da China, e as vozes de oposição que promovem a liberdade na Internet são igualmente potentes.
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Amy Chang, para o HuffPost US