Poucas abstrações são tão eficientes quanto a ideia de um ano novo que se inicia. Por mais que todos tenham consciência de que nada efetivamente mude na efeméride, a ideia do fim de um ciclo e seu recomeço é bastante prática para que se realize uma pausa meditativa.
A retrospectiva traz com ela uma revisão das conquistas e besteiras passadas, promovendo uma reflexão que, para os mais iluminados, pode resultar em sensatez e maturidade. A projeção do futuro traz com ela o sonho e a esperança de um futuro melhor. De qualquer forma, uma pausa é sempre boa para que se avalie o progresso das medidas passadas e se prepare o espírito para as novidades que virão.
Chegamos na metade da segunda década do século 21, e por mais que muitos acreditem que nada tenha mudado em sua essência, as transformações continuam a correr a uma velocidade digna de ficção científica. Não há carros voadores nem colônias interplanetárias, da mesma forma que não há o fim da Guerra, da Morte, da Peste, da Fome ou das Religiões, porque estas, como as corrupções, se mostraram mais resistentes do que se supunha.
Mas não há como negar que muita coisa mudou desde a virada do século. E que as transformações continuam a correr em escala exponencial, mudando praticamente tudo que se conhecia pelo estado das coisas. Certas mudanças de hábito, tão comuns hoje quanto ver TV no telefone ou pagar contas via tablet, soariam impossíveis para boa parte dos Geeks da virada do século. A potência dos computadores na nuvem, a dominação dos gigantes de tecnologia e a penetração das máquinas no cotidiano é muito maior do que poderia supor nossa vã tecnologia.
Ainda há indústrias e áreas de especialidade que se consideram imunes à onda de disrupção, acreditando que, por seu tamanho e dominação global, serão inquebráveis. Mas isso é uma ilusão.
Arrependimento futuro
Uma coisa que as “novas” empresas do século 21 mostraram foi que a mudança chega de lugares inesperados, a grande velocidade, criando novas potências com a mesma força com que destrói os antigos impérios. A maré da Tsunami de inovação é cada vez mais forte. E cada vez mais rápida.
Uma das próximas indústrias destinada a sofrer transformações essenciais nos próximos cinco anos deverá ser a de manufatura. Sensores e robôs cada vez mais baratos e inteligentes, associados a impressoras 3D transformarão processos industriais em rotinas cada vez mais baratas e automatizadas, o que faz com que a automação tenda a ser corriqueira e essencial.
Com robôs baratos e onipresentes, a ideia de indústria global tenderá a mudar. Não tardará para que um objeto feito no Japão, na Alemanha ou nos EUA tenha custo de manufatura mais barato do que seu equivalente feito em países distantes de mão de obra barata.
O escravo tecnológico não dorme, não come, não demanda direitos e sobrevive alegremente a jornadas anuais de 365 dias úteis, com turnos de 24 horas cada. E logo será muito mais eficiente e preciso do que qualquer equivalente humano, transformando completamente o mundo como o conhecemos.
Soma-se a isso a constatação de que nenhuma disrupção acontece isolada. Quando as novas descobertas nas áreas de tecnologia, investimento, energia e logística forem incorporadas pelas novas indústrias, não há dúvida de que surgirão novos aparelhos mágicos, tornando o cotidiano tão fantástico quanto incompreensível.
Feliz ano novo. À beira de um novo ciclo de inovação tecnológica sem precedentes, continuamos a ser o país do Futuro, cujas promessas raramente se concretizam. Na retrospectiva das décadas passadas percebemos como foi bom ter investido no ITA e na EMBRAPA. Para o futuro fica o arrependimento de ter investido tão pouco em ciência. De pouco nos vale sermos abençoados por qualquer figura divina ou bonitos por natureza se não usarmos essas vantagens naturais na busca de riquezas futuras.
******
Luli Radfahrer é professor-doutor de Comunicação Digital da ECA (Escola de Comunicações e Artes) da USP; www.luli.com.br