Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Bruna tem celulite

Bruna é uma jovem bonita, mas pouco se vê o seu rosto. Ele está sempre virado para baixo, na direção do celular. Até quando entra na piscina do clube, Bruna leva o smartphone, protegido por uma capa plástica.

Pesquisa divulgada por uma fabricante de aparelhos diz que, em média, as pessoas consultam seus celulares uma vez a cada seis minutos e meio. Bruna não suportaria tamanha abstinência.

Ela usa e-mail, WhatsApp, Messenger, Facebook, Instagram, Twitter, FaceTime e dá telefonemas. Ao mesmo tempo. Seu cérebro é um PABX de incríveis recursos. Mas talvez não seja capaz de produzir frases longas.

É pouco provável que Bruna abra livros, pois este ato exigiria que ela tirasse ao menos uma das mãos do pequeno teclado, o que ainda não foi possível testemunhar. A velocidade de seus dedos impressiona, mas o fantasma da tendinite lhe bafeja os braços.

O tempo passa

Outra pesquisa, feita nos EUA, estimou entre duas e quatro horas diárias o tempo que os usuários de celulares ficam de cabeça baixa, curvados, numa postura que comprime nervos e ossos –para não falar nos neurônios. O resultado de tal compulsão são dores no pescoço e na coluna. E uma nova acepção para a palavra celulite.

Num domingo recente, sem que a interlocutora perguntasse, Bruna informou que tinha se separado. Talvez o marido não tenha aguentado a concorrência, mas isso já é ilação maldosa. Quase certo é que Bruna faça parte do time crescente de pessoas que não dissocia viver de divulgar. Tudo o que acontece (ou não) deve ser compartilhado.

“A coisa mais chata do mundo? Silêncio.” Esta frase atribuída ao popstar Justin Timberlake é usada por uma rádio paulista em sua campanha publicitária. Bruna deve adorar Timberlake.

O tempo está passando fora da tela do celular, mas Bruna não vê.

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Luiz Fernando Vianna, da Folha de S.Paulo