Monday, 04 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

Obama quer ciberpolícia na web

A revista mensal Wired (15/1) publicou uma matéria em que o presidente americano Barack Obama é acusado de tentar aprovar leis que criminalizam coisas simples que fazemos todos os dias na rede. A nova legislação será anunciada ao público durante o pronunciamento anual sobre o Estado da Nação. O chefe do país que nunca se recuperou do mega-atentado de 2001 pretende aprovar legislação que pune qualquer pessoa que intencionalmente acesse “informação não autorizada, mesmo que ela esteja postada em site público”, informou a Wired.

Robert Graham, especialista em segurança na web e presidente da Errata Security, explicou que “conselhos dados em salas de bate-papo” que utilizam o protocolo IRC, ou a simples postagem de um link, poderão jogar gente inocente na cadeia. Mesmo que o indivíduo em questão não seja um hacker, agir como um poderá trazer o FBI à casa dele, para confiscar seu equipamento e submetê-lo a um processo por associação em benefício do crime organizado. Obama quer transformar contravenção em crime.

O presidente americano pretende requalificar as atividades dos hackers, sejam eles profissionais de segurança ou invasores inimigos. Se suas leis forem aprovadas, a atividade de um hacker, seja legal ou ilegal, passará de contravenção a “crime em benefício de organização criminal” (racketeering). Isso vai tornar o trabalho dos profissionais de segurança na web muito mais difícil, e atalhar a inovação. Na web, a inovação tem precedência sobre a permissão: primeiro a inovação, depois a permissão, explicou o especialista.

Depois de sucessivos ataques de hackers de países hostis aos Estados Unidos, Obama quer reforçar a segurança interna e aumentar a capacidade de seu país bisbilhotar seus inimigos, sejam eles indivíduos, grupos ameaçadores da contracultura ou nações consideradas “hostis” aos interesses ianques. Tudo isso é inútil e sintomático do precário domínio científico da segurança cibernética norte-americana. A atividade dos hackers criminosos “é internacional e anônima”, explicou Graham. E a guerra de Obama contra os hackers é tão inútil quanto a guerra às drogas. Os Estados Unidos têm hoje 25% do total dos presos em todo o mundo e o consumo de drogas seguiu firme, ensinou o especialista em segurança cibernética.

Ideia absurda e inaceitável

Assim como a “guerra às drogas” aprofundou um grande problema, o mesmo pode acontecer com o estabelecimento de uma polícia cibernética de vigilância estatal. Obama quer as grandes companhias do Vale do Silício trabalhando para o governo americano, compartilhando informações capturadas dos usuários das maiores plataformas digitais da web. O presidente americano e os novos executivos das grandes companhias digitais da web não têm um bom histórico de relacionamento. Em 2012, Obama tentou convencer executivos da Apple a trazerem de volta as linhas de montagem de produtos de alta tecnologia que foram para a Ásia e outras partes do mundo. A empresa garantiu a ele, em reportagem publicada em 2012 no New York Times (21/1), que os postos de trabalho perdidos para a Ásia e Europa não iriam voltar.

As grandes corporações de base tecnológica de hoje não têm o mesmo compromisso que as antigas (GE, Ford, IBM, por exemplo) quando o objetivo é gerar empregos para a classe média americana. Nada de patriotismo ou nacionalismo entre eles. Que se encantam mais e mais a cada dia com a “enorme economia de escala” e “flexibilidade” das montadoras eletrônicas asiáticas. A mão de obra abundante e a exploração brutal dos trabalhadores locais nunca comoveram os executivos do Vale do Silício. Será que essa gente anda preocupada em colaborar com a política de vigilância cibernética estatal que o presidente Obama quer adotar?

Os maiores afetados pelas novas leis, caso aprovadas, serão os profissionais de segurança da web, garantiu Graham. Eles precisam invadir computadores para exercer seu trabalho de proteger a web. Ou melhor, para testar a segurança dos sites corporativos e de serviços da rede. Eles navegam em zonas perigosas e podem acabar mal, nas mãos do FBI. O esforço do presidente americano pode acabar como um tiro que saiu pela culatra. Os terroristas alimentam-se do medo. Devem estar muito gordos agora, depois dos atentados na França.

O especialista em segurança Bob Graham acredita que quanto maior a repressão contra os hackers, maior será o efeito aterrorizador sobre quem trabalha com segurança na web. A coerção estatal cria uma “porta aberta para hackers de Estados hostis e criminosos virtuais reais”, avisou o perito. Em outras palavras, o Estado americano não tem condições para proteger seus interesses na web porque está no lugar errado e fazendo a coisa errada. A web não foi criada para espionagem e não oferece segurança absoluta para a transmissão confidencial de assuntos de Estado. A interferência policial na web é uma ideia absurda e inaceitável.

Desafio atraente

Sites estatais de alguns países serão sempre alvo de ataques de hackers. E os Estados Unidos, se adotarem as novas leis de segurança na web, darão mais um passo na destruição de sua própria democracia, irremediavelmente comprometida depois do atentado às Torres Gêmeas, em 2001. Poucos políticos aceitam bem qualquer mídia que traga mais equilíbrio nas relações com o povo. A maioria é mesquinha demais para acolher bem a maior capacidade de reação da sociedade organizada na web, que nasceu para dar poder a população e sabotar a política histórica corrupta dos poderes estabelecidos. Trazer a polícia para dentro dela é uma abominação e uma demonstração de pobreza intelectual aos olhos do mundo.

Criar uma polícia virtual de vigilância na internet é o mesmo que destruir a sua finalidade básica. É atentar contra tudo o que ela nos trouxe de bom. Combinar a espionagem privada das maiores corporações da web com uma milícia estatal antiterror só servirá para assinalar o próximo alvo dos ataques de hackers dos inimigos dos Estados Unidos e sua política internacional desastrada e assassina: o novo órgão de vigilância estatal norte-americano na web. Que desafio poderá ser mais atraente aos olhos de terroristas ou criminosos virtuais avulsos do que uma estrutura estatal norte-americana de vigilância na rede mundial de computadores?

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Sergio da Motta e Albuquerque é mestre em Planejamento urbano, consultor e tradutor