Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Você é o que você curte

Um computador conhece você melhor do que seus amigos e familiares. Essa é a principal conclusão de um estudo com milhares de usuários da rede social Facebook. Analisando as curtidas, uma máquina pode conhecer mais a personalidade de um indivíduo do que seus amigos e familiares. Os autores da pesquisa acreditam que isso ajudará a relação entre máquinas e humanos, mas alertam para os perigos que essa descoberta pode representar para o mais íntimo do ser humano, sua forma de ser, pensar ou sentir.

Pesquisadores do Centro de Psicometria da Universidade de Cambridge (Reino Unido) e do Departamento de Ciências da Computação da Universidade Stanford (Estados Unidos) conseguiram realizar um teste de personalidade de 100 perguntas com 90.000 usuários. Também tiveram acesso às suas curtidas na rede social. Partiam do pressuposto de que o comportamento nas redes dá pistas confiáveis sobre a personalidade de uma pessoa. Criaram então um programa que, como se fosse um psicólogo digital, pôde detectar as principais características psicológicas com algumas dezenas de curtidas.

Na verdade, o que queriam saber é se as máquinas podem julgar melhor os humanos do que os próprios humanos. Para isso, conseguiram também que colegas de trabalho, amigos e familiares traçassem um perfil psicológico dos usuários do Facebook estudados, por meio de um questionário padrão usado em psicologia.

Com apenas 10 curtidas, o programa foi capaz de determinar a personalidade com maior precisão do que as opiniões de um colega de trabalho. A máquina, além disso, aperfeiçoa sua avaliação à medida que colhe mais informações do que é feito no Facebook. Com apenas 70 curtidas, já é possível saber mais que a pessoa com quem você divide o apartamento e, com 150, mais que uma mãe. Apenas o parceiro afetivo de cada participante ficou à altura da máquina. Mas, se tivesse 300 curtidas ou mais, o computador não teria rival. Considerando que a média de curtidas de um usuário é de 227, na maioria dos casos os computadores julgam melhor que os humanos.

“Os computadores podem nos vencer em nosso melhor jogo”, diz Michal Kosinski, pesquisador da Universidade Stanford e coautor do estudo. “Adivinhar os traços psicológicos dos outros é uma habilidade social básica, crucial para o sucesso e, no passado, para a sobrevivência, aperfeiçoada em milhões de anos de evolução. E, agora, um modelo de computador relativamente simples baseado em uma grande base de dados nos supera com muita facilidade”, acrescenta.

Buscando validar seus primeiros resultados, os pesquisadores conseguiram uma amostra de mais de 14.000 usuários do Facebook que haviam sido avaliados por duas pessoas próximas, em vez de uma. Mas mesmo com um duplo perfil psicológico, a máquina voltou a superar os humanos.

Em uma terceira medição, os pesquisadores quiseram saber se o computador poderia adivinhar condutas como o consumo de drogas, tendência à depressão ou orientação política. Como publicado na revista científica PNAS, em 12 das 13 condutas estudadas a máquina acertou mais que os conhecidos. Neste caso, os resultados confirmam um trabalho anterior de Kosinski e seus colegas de Cambridge, que mostrava como 100 “curtidas” eram suficientes para saber o sexo, raça, ou ideologia de um usuário do Facebook.

Para Kosinski, os computadores têm algumas vantagens sobre os humanos na hora de analisar a personalidade de uma pessoa: “Acima de tudo, as máquinas podem conservar e recuperar grandes quantidades de informação e, além disso, podem analisar todos esses dados com algoritmos.” Isso as torna menos vulneráveis às falhas, ao esquecimento e ao pensamento muitas vezes irracional próprio da mente humana.

Os pesquisadores acreditam que em breve existam sistemas automatizados, precisos e acessíveis para determinar a personalidade, o que poderia melhorar a tomada de decisões, como na hora de uma contratação, em que político votar ou até por quem se apaixonar. No entanto, também reconhecem o risco de deixar que as máquinas brinquem de ser psicólogos ou que empresas e governos comecem a usá-las como tais.

Controle de dados pelo próprio usuário

Nas palavras de Kosinski: “Adivinhar a personalidade é, como qualquer outra tecnologia, moralmente neutra. Podemos usá-la para melhorar nossas vidas ou nos prejudicar, assim como as facas. Com certeza temos que agir com cautela, já que a tecnologia atual funciona bem e poderia beneficiar (ou prejudicar) um grande número de pessoas.”

Para os pesquisadores, é necessário criar sistemas e políticas que minimizem os riscos. “Dois princípios deveriam nos guiar: transparência e controle”, diz Kosinski. Por um lado, “temos que ajudar os usuários a entender que seus dados estão aí fora, como estão sendo usados e como podem ser usados. Por outro, “temos que conseguir que os usuários assumam o controle total de seus dados e decisão sobre para que fins podem ser usados”, conclui.

O problema, como já foi demonstrado outras vezes, é que os dados pessoais escaparam do controle de seus donos. “O fator social da privacidade faz com que o controle desse tipo de deduções esteja fora do indivíduo”, lembra o pesquisador espanhol da Escola Técnica Federal de Zurique, David García, que não participou do estudo. O especialista em redes sociais demonstrou recentemente como uma rede social pode deduzir detalhes sociais, como a orientação sexual, não apenas de seus usuários, mas também dos amigos que não estão na rede.

“Os padrões que enlaçam a amizade com as ‘curtidas’ poderiam ser explorados para adivinhar a personalidade de usuários que não desejam isso. Quer dizer, imaginemos que eu curta Snooki [personagem de um reality show dos EUA], mas não quero que usem meus dados. Se a maior parte dos meus amigos também curte Snooki, quem tenha meus dados pode deduzir que sou uma pessoa extrovertida sem ter minhas curtidas”, avalia García.

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Miguel Ángel Criado, do El País