Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Ideia de jerico

Na sexta-feira [16/1], o presidente americano Barack Obama e o premiê britânico David Cameron se puseram perante jornalistas, na Casa Branca. Embora um quê constrangido, Obama estava ali para dar algum apoio a seu par em uma proposta inusitada: tornar a internet menos segura.

Inusitada é o termo errado. A proposta de Cameron já vinha quicando aqui e ali. O último a levantá-la, há poucos meses, foi James Comey, diretor do FBI, polícia federal dos EUA. A ideia é impor, por lei, a existência de backdoors nos protocolos de encriptação. Em termos simples: os códigos utilizados para proteger mensagens disparadas internet afora precisam ser quebráveis por agentes da lei. Desde que devidamente autorizados por juízes, claro.

A ideia é uma graça, mas tem dois defeitos. Um deles, grave. O outro, filosófico.

O defeito grave é que esta solução não existe. Criptografia, como a utilizada por aplicativos como o WhatsApp, serve para proteger as mensagens dos usuários. No momento em que um atalho para quebra for criado, qualquer um tecnicamente hábil o suficiente tem chances de acessar a porta dos fundos. As mensagens estarão expostas a agentes da lei, portanto, mediante ordem judicial, e também a qualquer outro que dispense tais ordens. Governos estrangeiros e hackers criminosos, por exemplo.

Criptografia com porta dos fundos, ora, já não é mais criptografia.

O problema filosófico é mais simples de compreender. Síria, Rússia e Irã são os países que têm leis equivalentes. Quando democracias constituídas começam a adotar medidas de acesso à informação privada que duas ditaduras e um regime que chega quase lá adotam, temos um problema. E é irônico que o primeiro a sugeri-la seja o chefe de governo britânico. Afinal, brecha nas comunicações pessoais de todos os cidadãos é, por essência, coisa do Grande Irmão, personagem da distopia britânica 1984.

Populismo demagogo

Obama e Cameron não vêm de Marte e seus governos não são monolíticos. Enquanto o diretor do FBI gosta da ideia, a NSA defende criptografia forte como um garantidor de segurança interna. E esta é a mesma NSA cujo projeto de espionagem digital foi denunciado por Edward Snowden. O mundo digital é complexo.

Além disso, a sugestão preocupa a maioria das grandes empresas de tecnologia: Google, Facebook, Apple, Microsoft, não importa. Trata-se da segurança de seus clientes. Quebrar os padrões de criptografia vai expor todos nós a muito mais riscos. Tornará a internet menos segura.

Os problemas dos governantes são igualmente concretos. Do assassinato dos jornalistas do Charlie Hebdo à quebra dos sistemas da Sony Pictures, tudo passa pela internet. É pela rede que os principais grupos de terroristas recrutam, combinam atentados, trocam informações. Pela rede, cada vez mais, alguns dos principais crimes vão começar a ocorrer. Para não falar de espionagem, seja industrial ou entre países.

Plantar um grampo em telefone ou violar correspondência, dificuldades de CIA, MI-5 ou KGB no século passado, são problemas de criança. Colher informação na internet é, tecnicamente, um feito árduo, tecnicamente dificílimo, embora não impossível.

A ideia nasce do populismo demagogo de quem deseja atender aos conservadores que clamam por segurança imediata. Este, afinal, é um problema velho nas democracias: trocar direitos por segurança.

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Pedro Doria, do Globo