Eric Schmidt, presidente (e ex-executivo chefe) do Google, anunciou, durante conferência no Fórum Econômico Mundial em Davos (Suíça), que a internet como a conhecemos hoje vai desaparecer. A CNBC (23/1) publicou o vídeo onde Schmidt explicou que a internet será parte de nossas vidas de tal forma que passará despercebida. É a “internet das coisas”: óculos que monitorarão a segurança urbana, anéis e pulseiras que medirão pressão arterial de usuários ou geladeiras que informarão as rotinas e menus nas cozinhas das residências. Todos os outros gadgets que usamos e objetos com os quais interagimos em nosso cotidiano estarão interconectados. O tempo todo.
Quando Tim Berners-Lee comentou anos atrás sobre as geladeiras conectadas, eu achei graça. A coisa toda me pareceu uma loucura ou devaneio de cientista empolgado com a rede mundial de computadores. Eu estava errado. Muito errado. Em pouco tempo, os objetos eletrônicos terão presença própria na web, segundo o executivo do Google, que também é um grande analista de TI e membro do “clube” de Bilderberg (que foi criado para combater o antiamericanismo que prevalecia na Europa em 1954, e não para dominar o mundo, como querem os teóricos da conspiração).
O especialista em TI Jag Bath, da RetailMeNot, explicou na CNBC que na verdade o que vai mudar é o modo pelo qual nos conectamos. Hoje dependemos de notebooks, PCs, tablets e outros aparelhos que fazem a conexão com a web através do protocolo IPv4, que esgotou sua capacidade devido ao grande número de usuários da internet e agora dará lugar ao IPv6, que aumentará muito a capacidade operacional da rede e permitirá que cada objeto tecnológico tenha seu próprio endereço virtual na web. Isso mesmo, leitor(a): os objetos terão endereço na web. E “conversarão” entre si.
Tudo e todos estarão conectados, e isso deixou muita gente preocupada. Demi Getschko, membro do Comitê Gestor da Internet no Brasil, alertou para o perigo potencial da conectividade contínua e ininterrupta no Portal IG tecnologia (25/1):
“Tudo estará ligado, com as coisas boas e ruins que isso traz. As boas coisas, de que todos falarão: conforto para todo mundo e conectividade ampla. Coisas ruins? Privacidade em alto risco. Tudo que você faz pode ser conhecido. Tudo que seus equipamentos fazem entre si poderá ser passado para outros equipamentos. São coisas complicadas. Nossa privacidade pode estar em risco.”
Ingenuidade e desconhecimento
Getschko acredita que a aplicação das normas do Marco Civil da Internet poderá arrefecer os perigos da conectividade ubíqua e invasiva. E que só a lei poderá nos proteger da coleta e do comércio de dados pessoais que alimentam as grandes corporações do Vale do Silício e que vai aumentar muito em cerca de 10 anos, ou menos, com a presença dos objetos conectados à rede somada às conexões pessoais e comerciais proporcionada pelo novo protocolo de conexão.
Getschko também apontou para um fato já amplamente discutido: a ilusão do anonimato na web, alimentada desde 1993. Ela não existe e o Projeto Tor, que promete anonimidade na rede, é uma farsa alimentada pelo Departamento de Defesa dos Estados Unidos. Segundo o especialista, é um grande engano acreditar que alguém está anônimo porque mudou seu endereço (IP) na web. Getschko lembrou que “quem transformou um IP em outro pode guardar essa transformação”. Em outras palavras, quando alguém muda sua identificação na web também grava toda a operação.
O especialista lembrou que a maior parte dos roteadores da rede Tor “roda em domínios controlados pelo Departamento de Defesa dos Estados Unidos”. Por isso, de vez em quando redes criminais inteiras são desmascaradas na web: o Tor é um programa desenvolvido com auxílio do governo americano antes dos atentados às Torres Gêmeas, em 2001.
Não foi só o Tor que foi concebido com a ajuda do Departamento de Defesa americano. A própria internet nasceu de um projeto militar para uma rede sem centros, criada para sobreviver a um grande bombardeio que destruiria a maior parte do país. Ela foi concebida durante a Guerra Fria para restabelecer a comunicação entre os militares, centros de pesquisa e outros pontos estratégicos de um território devastado.
Os militares americanos nunca perderam totalmente o controle do programa. Ele funciona como uma armadilha para espionar e informar o governo sobre crime e terrorismo na web. Além de espionar cidadãos comuns que gostam de explorar a rede, sites de outros países e seus governantes e funcionários, ou o trabalho de profissionais de segurança que precisam navegar em águas perigosas para testar condições e conexões de segurança de rede. Acreditar que podemos usar a web em condição de total anonimato é muita ingenuidade. Além de desconhecimento dos fundamentos básicos da história da internet e da web.
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Sergio da Motta e Albuquerque é mestre em Planejamento urbano, consultor e tradutor