Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Oba! Temos um segundo a mais em 2015

Relógios atômicos com césio ou rubídio são extremamente precisos e estáveis. Mais precisos do que muitos dos eventos que eles visam medir no nosso dia a dia. Mais precisos, até, do que o necessário.

Ao buscarmos medir o tempo de forma cada vez mais acurada, acabamos por construir um instrumento mais preciso do que boa parte daquilo que objetivamos medir, por exemplo, a duração exata de um dia terrestre. Com a insensível crueza da acuidade do relógio atômico nota-se que a rotação da Terra tem desacelerado, de forma muito lenta mas mensurável, tornando os dias ligeiramente maiores.

De tempos em tempos há que somar 1 segundo aos 86.400 segundos que cada “dia padrão” tem.

É importante que as horas do dia não “escorreguem”, que o meio-dia seja, de fato, o momento do sol a pino e, por isso, essa diferença deve ser compensada. Daí a necessidade da introdução eventual do leap second, o “segundo extra”.

Foice do tempo

Certamente esse segundo a mais não seria perceptível em nossa vida comum, nas prosaicas atividades humanas, mas a coisa muda muito quando falamos de informática, de computadores, de satélites, do sincronismo mundial.

Um segundo é uma piscada para nós, mas pode ser uma eternidade para um processador digital. Um microprocessador corriqueiro que use um relógio interno de 3GHz poderia, por exemplo, executar bilhões de instruções nesse segundo. Pior que isso, se esse segundo adicional não for adequadamente tratado, há o forte risco de problemas: uma ação de um processador poderia durar zero “tiques” de relógio interno ou, mesmo, durar um tempo “negativo”. E, como todos sabemos, não é necessário muito para que coisas travem, programas desandem, sistemas operacionais congelem.

Assim, em 30 de junho de 2015, para atendermos ao sincronismo terrestre, exatamente às 21 horas teremos que esperar por um segundo a mais.

Em ocorrências anteriores da inserção do “segundo extra”, em 2012 e 2008, alguns problemas com máquinas e sistemas foram descritos. Não é o fim do mundo, nem um novo “bug do milênio”, mas é importante dedicar tempo e atenção ao evento, para que os incidentes não se repitam em 2015.

A notícia boa é que hoje, com tudo e todos ligados à rede, é mais fácil (e mais importante!) obter sincronização entre os relógios dos equipamentos eletrônicos, tanto para uma referência adequada de eventos e ocorrências, quanto para manter o ritmo.

O IETF (Internet Engineering Task Force) trabalhou nesse sentido. Um protocolo foi proposto, discutido e aceito para que a sincronização dos equipamentos possa ser feita automaticamente pela própria rede: o NTP (Network Time Protocol) tem uns 30 anos de existência e retrabalho desde o RFC 958 (1985) até a versão mais atual, o RFC 5905 (2010).

Quem tiver interesse em instalar NTP em seu computador (muito recomendável!) pode olhar no sítio ntp.br onde há extensa documentação em português.

De resto, “… nada pode lutar contra a foice do tempo” (Shakespeare, soneto 12).

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Demi Getschko é conselheiro do Comitê Gestor da Internet e colunista do Estado de S.Paulo