Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

A internet em Cuba

Antes de viajar para Cuba, na semana passada [retrasada], pedi dicas aos amigos. Recebi recomendações conflitantes sobre hotéis, restaurantes e passeios, mas um alerta unânime: que eu me preparasse para voltar no tempo e viver desconectada pelo tempo que permanecesse por lá.

Fiquei curiosa. Imaginei um sistema semelhante ao do Tibete, onde estive há alguns anos: lan houses por toda a parte, boa conexão, mas incontáveis sites censurados. Me lembro de viver, na época, uma situação esquizofrênica: eu podia enviar notícias para o blog, mas não podia ler, depois, o que havia escrito. O acesso ao Blogger, ferramenta de publicação, era liberado; o acesso ao Blogspot, onde ficavam hospedados os blogs, era proibido.

Cheguei a Havana à noite. Quando fiz o check-in, a funcionária que me atendeu no hotel me entregou, junto com a chave do quarto, a senha de acesso à internet. Não consegui me conectar do quarto, mas no lobby havia um Wi-Fi devagar quase parando por meio do qual mandei as minhas primeiras notícias. Não encontrei nenhuma página censurada, mas, verdade seja dita, encontrei muito poucas páginas – carregar ou ver fotos, entrar em sites mais pesados, nada disso foi possível.

Ao longo dos dias seguintes ficou claro que qualquer censura à rede seria redundante. A internet tal como a conhecemos – como rede universal, de acesso fácil e relativamente barato para todos – ainda não chegou a Cuba. Isso explica por que alguns blogs de oposição ao regime já estão liberados: como os tibetanos sob dominação chinesa, os cubanos podem espernear no resto do mundo porque em casa não serão ouvidos.

Sistema criativo

Tanto cubanos quanto estrangeiros podem se conectar de meia dúzia de hotéis, mas o custo, altíssimo até para estrangeiros, é proibitivo para cubanos: oito CUCs por hora, ou cerca de US$ 9 – sendo que o salário médio de um cubano equivale a US$ 16 mensais.

Minha rotina em Havana passou a incluir duas horas no fim da tarde no lobby do simpático Hotel Parque Central. Eu escrevia tudo o que precisava escrever à noite, na casa para a qual me mudei no segundo dia em Havana, e, no dia seguinte, subia o que já estava pronto, assim como fazia na época dos BBS (entre fins dos anos 1980 e princípios dos anos 1990). Por causa da velocidade da rede, percorrer os sites de jornais e de revistas que acompanho tornou-se impraticável, ainda mais com os preços cobrados.

Segundo estatísticas do governo cubano, 25% da população da ilha têm acesso à internet nas suas escolas e locais de trabalho. Numericamente, esse dado não é contestado fora do país. O problema é o que se entende por “internet” em Cuba: uma intranet estatal que dispõe de um sistema de e-mail, uma enciclopédia, material educativo, sites cubanos e sites estrangeiros alinhados com o regime. Médicos têm acesso a uma rede especial, instalada em hospitais e instituições de pesquisa, chamada Infomed. Quase todas as pessoas com quem conversei nunca usaram a internet, sequer na sua versão cubana; sabem o que é, em alguns casos viram demonstrações feitas por amigos, mas não têm noção do seu funcionamento ou abrangência.

A ONG Freedom on the Net, que monitora o grau de liberdade no uso da internet em todos os países, estabelece o percentual de cubanos verdadeiramente conectados à rede mundial em 5%.

A falta de conectividade geral aliada à conhecida criatividade local deu origem, porém, a um curioso sistema de “internet sem internet”, popular, sobretudo, entre os jovens. Os usuários se cotizam para comprar cartões de acesso nos hotéis e baixam tudo o que lhes parece interessante – notícias, filmes, música, o que for. Este conteúdo é copiado em pen drives ou em DVDs, e distribuído entre todos.

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Cora Rónai, do Globo