Friday, 08 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1313

Tecnologias saem das telas para a realidade

Em 1964, quando “Jornada nas Estrelas” entrou no ar, os produtores se viram na necessidade de explicar como os humanos eram capazes de se comunicar com uma infinidade de espécies diferentes, como klingons, romulanos e vulcanos. A resposta foi a criação, no universo imaginário da série, de um tradutor universal. Dotado de inteligência artificial, o dispositivo aprendia os idiomas alienígenas e os traduzia instantaneamente. Cinquenta anos depois do lançamento da série, mas bem antes do futuro antevisto pelos roteiristas, isso começa a se tornar realidade. Em dezembro, a Microsoft anunciou o Skype Translator, um recurso que faz a tradução simultânea de mensagens de voz e vídeo. O Google também renovou seu software de tradução recentemente, ao permitir que textos fotografados, como uma placa de rua, sejam traduzidos na tela do celular. Morra de inveja, capitão Kirk!

Não se trata de um caso único. Muitas tecnologias apresentadas em séries de TV e filmes de cinema ­ algumas delas aparentemente mirabolantes e sem embasamento científico ­ estão se tornando realidade, mesmo que sob formatos diferentes. Os roteiristas podem não entender de ciência, mas, ao que parece, conhecem bem as necessidades humanas por trás desses inventos.

Os fãs de Maxwell Smart devem se lembrar com saudades do “sapatofone” ­ um sapato com disco de telefone na sola a que o “Agente 86” recorria nas missões contra a K.A.O.S. A série estreou em 1965, oito anos antes do lançamento do primeiro celular, que só se tornaria popular a partir dos anos 2000. Mas a melhor tradução do “sapatofone” está ganhando corpo agora: são os computadores de vestir.

A maioria das grandes marcas já lançou relógios e pulseiras inteligentes, que ajudam a ler e responder emails, conferir as redes sociais, atender ligações e monitorar a saúde. A lista de fabricantes inclui Samsung, LG, Sony, Huawei e Asus, para ficar apenas entre as grandes marcas. A expectativa é que a tendência dos computadores de vestir ganhe força neste ano com o lançamento do Apple Watch, em abril, e com a chegada de óculos inteligentes capazes de indicar a direção em um mapa virtual ou fazer transmissões ao vivo do que você está vendo. A Oculus VR, uma novata americana comprada pelo Facebook, planeja iniciar a venda ao público de seu produto, o Rift, nos próximos meses. O esperado Google Glass não vai chegar tão cedo aos consumidores, como se previa, mas o projeto permanece em desenvolvimento.

Parte dos dispositivos que estão saindo das pranchetas dão novos usos a tecnologias existentes. É o caso da realidade aumentada, que sobrepõe imagens virtuais a cenários reais, com um resultado semelhante ao da holografia. Os fãs de “Guerra nas Estrelas”, de 1977, ficaram fascinados ao ver a imagem em 3D da princesa Leia projetada pelo robô R2D2. No filme, ela usa o recurso para pedir socorro ao “jedi” ObiWan Khenobi. Nas sequências da série cinematográfica, a holografia aparece várias vezes para ajudar na comunicação entre os personagens.

Missão impossível

É difícil imaginar esse uso no mundo real. Seria esquisito ­ e desnecessário ­ ver a imagem holográfica de sua mulher ou marido pedindo para não esquecer de comprar pão e leite. Mas a realidade aumentada pode dar uma aplicação prática a essa ideia. Os futurólogos previam muitos tipos de uso para a tecnologia, como conferir, de fora de um museu, o acervo da instituição. Até agora, porém, sua aplicação é limitada. Alguns bancos, por exemplo, usam a tecnologia para ajudar seus clientes a localizarem a agência mais próxima pela tela do celular.

O HoloLens, apresentado pela Microsoft há duas semanas, usa a realidade aumentada em tarefas que vão do design de produtos à disputa de games on­line, tudo a partir de imagens virtuais que remetem à holografia. Ainda sem data de lançamento, o produto é formado por um óculos equipado com um software específico.

Às vezes, a ficção acerta na tecnologia, mas erra na data. Em “De Volta para o Futuro II”, o personagem Marty McFly sai de 1989 e viaja até 21 de outubro de 2015. Encontra um mundo onde os adultos andam de carros voadores. Isso está longe de acontecer, mas duas novidades mostradas no filme estão próximas de chegar às lojas. A Nike anunciou no ano passado que trabalha em um tênis que se amarra sozinho, enquanto a Hendo, também dos Estados Unidos, já apresentou o protótipo de um skate que levita, semelhante ao usado pelo ator Michael J. Fox no filme.

O ano de 2001 ­ palco de “Uma Odisseia no Espaço”, de 1968 ­ ficou para trás sem que o homem tentasse uma viagem à Júpiter, como ocorre na trama. Mas o conceito da máquina que pensa por si mesma, expresso pelo computador HAL 9000, nunca esteve tão próxima. A computação cognitiva, pela qual a máquina varre enormes volumes de dados para “comunicar­se” com seres humanos, está em desenvolvimento. O melhor exemplo é o Watson, da IBM. O nome é uma homenagem a Thomas Watson, fundador da empresa.. O sistema já conseguiu superar competidores humanos no programa de perguntas e respostas “Jeopardy”, da TV americana, e está sendo usado para a pesquisa do câncer, entre outros assuntos. Pouca gente sabe, mas HAL é uma referência à IBM: as três letras que compõem seu nome são imediatamente anteriores às que formam a sigla da companhia.

Outra data antecipada que ficou no passado é 16 de outubro de 1997, quando a família Robinson embarcou na nave Júpiter II, na série “Perdidos no Espaço”, que estreou em 1965. O motivo? A superlotação da Terra. O planeta ainda não se esgotou, como era temido, mas o robô B9 ­ que fazia às vezes de guarda­costas e amigo do menino Will ­ tem similares cada vez mais próximos. O robô Topio, concebido pela Tosy, do Vietnã, usa inteligência artificial para jogar pingue­pongue. O Atlas, da americana Boston Dynamics, controlada pelo Google, foi desenhado para operações de busca e salvamento.

Mundos imaginários não dependem da ciência para funcionar, mas às vezes a realidade, com todas as suas restrições, supera a ficção. Ninguém previu a internet ou fenômenos decorrentes da rede mundial, como o conhecimento coletivo. O Quora é um site de perguntas e respostas no qual as pessoas podem obter explicações de especialistas sobre diversos temas. Em vez do conhecimento centralizado em uma ou poucas instituições, como é comum na ficção, a informação é cada vez mais fragmentada.

Outra diferença é que a ficção tende a encarar a inovação como uma evolução constante, sem rupturas. A internet provou que isso não é verdade ao desmontar negócios como o setor fonográfico e a indústria da fotografia.

Pense no que aconteceria se o teletransporte, outra “inovação” de Jornada nas Estrelas, se tornasse realidade. Na série, as pessoas são desintegradas e reintegradas no local de destino, sem percorrer nenhuma distância física. Parece ótimo, mas imagine a repercussão disso nas indústrias de automóveis e de petróleo, com o desemprego e o terror entre os investidores. Mas montadoras e petrolíferas podem ficar tranquilas. Segundo o físico Frank Helle, da Universidade de Stanford, teletransportar­se é cientificamente impossível. “Pelo menos, neste universo”, ressalva o cientista no Quora.

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Gustavo Brigatto e João Luiz Rosa, do Valor Econômico