Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A perigosa agenda digital chinesa

Quando ações da Alibaba, gigantesca companhia chinesa de e­commerce, começaram a ser negociadas na Bolsa de Valores de Nova York (NYSE) no fim do ano passado, a empresa tornou­se, de um dia para outro, a 17ª maior empresa de capital aberto no mundo, com uma capitalização de mercado de US$ 230 bilhões – maior que as da Amazon, eBay ou Facebook. A Europa, porém, parece não ter notado.

Com efeito, em vez de reagir à ascensão digital da China, a União Europeia permanece focada no êxito mundial de plataformas americanas como a Amazon, Facebook e Google, ameaçando até mesmo com medidas punitivas contra elas. Alguns meses após a oferta pública inicial de ações (IPO) da Alibaba, o Parlamento Europeu aprovou uma resolução sem força de lei para evitar que empresas online, como o Google, “abusem” de sua posição no mercado. A resolução defendeu uma separação entre “serviços de busca e outros serviços comerciais”.

Mas há crescentes evidências de que o verdadeiro confronto competitivo para a Europa virá do Oriente, especialmente da China, que está assumindo uma abordagem protecionista e expansionista para assegurar o seu futuro predomínio digital. Se a União Europeia e os EUA não colaborarem para conter a China nesse front, correrão o risco de deixar o campo de jogo totalmente aberto a um regime regulatório baseado em princípios que contestam frontalmente os valores fundamentais das duas maiores economias do Ocidente.

Não há nenhuma dúvida sobre o sucesso da China na economia da internet. Com a Alibaba, a China tem 27 “unicórnios” (empresas avaliadas em US$ 1 bilhão na esteira de um IPO, venda ou rodada de captação de financiamento declarada publicamente), ao passo que a Europa tem apenas 21. São também chineses quatro dos dez sites mais visitados no mundo. A Baidu, serviço de buscas líder no país, prevê que metade de sua receita virá de fora da China num prazo de apenas seis anos.

Sem dúvida, a China ainda está muito atrás dos EUA com os seus 79 “unicórnios” na esfera digital. Mas representa uma ameaça maior à abertura e competitividade no setor, pois seus líderes dependem de mercantilismo e protecionismo para promover seus objetivos de alta tecnologia.

Por exemplo, o plano do Conselho de Estado chinês para assegurar que o país até 2030 seja líder mundial na produção de semicondutores envolverá o fornecimento de pelo menos € 20 bilhões (US$ 22,6 bilhões) em subsídios do governo a empresas de propriedade chinesa, bem como contratos discriminatórios para excluir seus concorrentes estrangeiros. Da mesma forma, o governo chinês comprometeu € 640 bilhões de euros por ano durante cinco anos para apenas sete “setores estratégicos emergentes”, entre eles tecnologias de informação e comunicações.

Valores comuns

Além disso, a China vale­se de normas tecnológicas como barreiras de mercado, ao mesmo tempo em que emprega suas leis antimonopólio para assediar empresas americanas e europeias. Se a isso acrescentarmos o roubo de valiosa propriedade intelectual europeia e americana, inclusive por meio de invasão, apoiada pelo governo, de computadores de empresas europeias, concluiremos que a ameaça que a China representa à concorrência aberta não poderia ser mais clara.

Mas o problema não é confinado às fronteiras da China. O Consenso de Pequim – as políticas chinesas de orientação estatista, frequentemente contrastada com o Consenso de Washington, caracterizado por políticas favoráveis ao mercado largamente defendidas pela Europa e pelos EUA – está inspirando um número crescente de países a conceder privilégios e subsídios a suas “campeãs” de tecnologia nacionais. Talvez o mais problemático seja que a influência chinesa está fomentando apoio a uma balcanização da internet – uma fragmentação da internet mundial, produzindo redes nacionais menores e fechadas – em uma série de países, inclusive em participantes­chave, como Brasil, Rússia e Turquia, e chega a ter simpatizantes na Europa.

Tal “localização” de dados pode parecer inofensiva, especialmente quando apresentada como reação legítima a revelações sobre monitoramento extremamente invasivo por parte de agências como a Agência de Segurança Nacional dos EUA. E, ao prometer um ambiente nacional em nuvem “seguro”, isso é exatamente o que os formuladores de políticas estão tentando fazer.

Mas esses são argumentos fracos, usados como justificativa para solapar uma das maiores inovações contemporâneas e um dos mais eficazes motores de crescimento econômico, especialmente tendo em conta que ataques de hackers podem ser originados, e efetivamente o são, de qualquer lugar. De fato, os mais graves crimes cibernéticos originam­se precisamente desses países, inclusive da China e da Rússia, que lideram o movimento de balcanização.

O caminho mais eficaz no sentido de acelerar a ascensão digital chinesa é pavimentado por desacordos transatlânticos em torno de questões relativamente pequenas. Quer se trate de dados ou de direitos autorais, “internet das coisas” ou privacidade, a UE e os EUA precisam chegar a acordo sobre um caminho comum – baseado em valores comuns, como democracia, Estado de direito e liberdade de expressão. Do contrário, a China em breve estará ditando os termos comerciais do setor econômico em mais rápido crescimento no mundo. Se sociedades abertas e pluralistas não se posicionarem em defesa de uma internet aberta e de comércio baseado no mercado, quem o fará?

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Robert D. Atkinson é o fundador e presidente da Information Technology and Innovation Foundation, um think tank com sede em Washington; Paul Hofheinz é presidente do Conselho de Lisboa, um think tank com sede em Bruxelas