Seu celular pode ser responsável pela falta de sono. Ou o computador. Ou o tablet. (Na verdade, na verdade, não é só a tecnologia digital a inimiga. As luzes econômicas, aquelas lâmpadas que não são incandescentes, são igualmente nocivas.) A questão, que começa a ser estudada com mais afinco agora, tem a ver com a emissão de luz azul, a produção de um hormônio chamado melatonina e nosso ritmo circadiano.
O ritmo circadiano é o que nos dita os tempos da vida. É aquilo que chamamos relógio biológico. Não à toa, respeita um ciclo de aproximadamente 24 horas. Regido pelo hipotálamo, no cérebro, este ritmo regula o momento em que temos fome ou sono. E ele é influenciado por três marcadores. Um é a temperatura do corpo. Os outros dois, hormônios. Cortisol e, cá está o problema, melatonina.
Produzida pela glândula pineal, temos mais melatonina conforme cai a luz do ambiente. Quanto mais melatonina acumulamos, mais vontade de fechar os olhos, bocejar, recostar-se à cama. E é aí que a luz azul se torna um problema. Porque luz azul, a mesma de telas e lâmpadas frias, é justamente a luz predominante durante o dia. Um livro nos faz dormir, mas o mesmo texto lido num celular não terá a mesma eficiência.
Um teste produzido em Harvard calculou que a exposição à luz azul e à luz verde, em igual intensidade pelo período de seis horas e meia, tem efeitos radicalmente distintos. A luz azul inibe duas vezes mais melatonina. O resultado são três horas a menos de sono contra uma hora e meia. Quanto mais quente, ou avermelhada for a luz, menos nociva.
Podemos não sentir vontade de dormir. Mas o cansaço acumula.
Solução própria
Essas máquinas, e nosso convívio cada vez mais íntimo com todas elas, vão aos poucos se ajeitando a nossas rotinas. Vão também ficando menos problemáticas com o tempo. Até lá, há algumas soluções. A mais simples delas é desligar as fontes de luz azul umas três horas antes de dormir. Mas há outras.
O software f.lux foi criado pelo casal Michael e Lorna Herf, desenvolvedores do Picasa, site para armazenamento de fotos do Google. Gratuito, o f.lux muda a temperatura de cor dos monitores ao longo do dia. Emula a natureza tanto quanto possível. Funciona em Windows, Mac e Linux. Para celulares e tablets Android, há dois aplicativos gratuitos. Um se chama EasyEyez; e o outro, Night Filter. A tela talvez fique um tanto avermelhada, mas permite uso sem mexer tanto com os níveis de melatonina.
Para quem usa iPhones e iPads, a vida se torna um pouco mais complicada. Há uma versão do f.lux para iOS, mas ela exige o jailbreak do aparelho. É uma manobra que torna o celular frágil a vírus e que viola a garantia da Apple. Não vale a pena, a não ser para quem for muito destemido.
Há soluções físicas. Existem óculos que bloqueiam luzes azuis e, sim, tem bastante gente na rede que diz usar estes óculos diariamente. Nos EUA, algumas empresas vendem pequenas lâminas laranja para encaixar em cima do celular à noite. Soluções talvez um tanto improvisadas demais.
Como cada vez tem mais gente falando sobre o efeito da luz azul sobre o sono, por certo sistemas operacionais passarão a permitir a configuração para quem desejar.
Até lá, pelo menos em casa, adotamos nossa própria solução. A partir das 19h, os aparelhos todos são deixados numa mesa para que não mais nos tentem. Ou quase. É que a tela às vezes pisca com uma mensagem, alguém chama na rede, e quase sempre há algo muito importante para resolver – rapidinho, claro.
Um passo por vez.
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Pedro Doria, do Globo