O documento de análise interna do Palácio do Planalto que admite erros na comunicação do governo cita o uso de robôs multiplicadores de conteúdo pelo PSDB e pelo PT durante a campanha presidencial. Essa ferramenta teria sido usada com “invejável profissionalismo” pelos tucanos, segundo o texto do Planalto, pois mesmo após a derrota eleitoral, o PSDB teria continuado a operar os cerca de 50 robôs usados na campanha de Aécio. Segundo o Planalto, “isso significou um fluxo contínuo de material anti-Dilma”. Em nota, o PSDB negou ter feito uso da prática, mas disse que o documento oficial da Secretaria de Comunicação da Presidência “revelou mais uma mentira eleitoral, ao confirmar denúncias feitas à época sobre uso de robôs durante a campanha”.
Segundo o professor Fabrício Benevenuto da UFMG, essas plataformas de distribuição de conteúdo são programas básicos que permitem propagar informações automaticamente a partir de regras pré-definidas. “É um programa simples, que não passa de 100 linhas de código de programação. Qualquer aluno da graduação de engenharia da computação consegue fazer sem dificuldade. Eles funcionam a partir da chamada API, que é um conjunto de comandos/chamadas determinados para se obter informações. Pode-se criar um robô para ler tuítes, para retuitar um usuário específico ou postar todas as notícias que tenham uma palavra específica.”
Embora em sua raiz um robô possa ser simples, há também criações sofisticadas. Os bots podem ser criados para ter um padrão aleatório, e, assim, de difícil identificação, como explica Benevenuto. “É fácil criar algo difícil de ser detectado. Há robôs que se comportam como usuários reais e até ‘dormem’ oito horas por noite. Existe um desafio na Inteligência Artificial chamado teste de Turing, no qual você testa um robô para saber se ele é mesmo um robô. É muito difícil passar neste teste, mas com um socialbot é cada mais fácil, porque você pode ter um robô que ‘fale’ gírias, que dê RTs no que as pessoas falam, que compartilhem notícias, ou que simplesmente copie tuítes de outras pessoas como se fossem seus.”
Os “spams dos trending topics”
Para Benevenuto, o uso de robôs tem a intenção de criar uma sensação nas pessoas nas redes. Eles seriam os “spams dos Trending Topics”. “Os robôs estão ali apenas para distorcer estatísticas. Com eles, é fácil criar uma sensação de que há um grupo muito grande insatisfeito com alguma coisa. Isso é parte de um objetivo político e mesmo comercial, quando, por exemplo, uma empresa lança um carro e a concorrente cria um robô para atacar o carro do outro. Se eu quero comprar aquele carro e uso o Twitter para me informar e vejo esses posts de ‘pessoas’ reclamando do carro eu não vou comprá-lo. As pessoas tendem a acreditar demais no que veem na internet, mesmo que aquilo não seja verdade.”
Há robôs que são usados para o “bem” ou que não necessariamente tenham a intenção de criar distorções. É o caso, por exemplo, de robôs que utilizam o sistema de RSS, publicando automaticamente tudo o que é postado em um blog, site ou portal de notícias. Segundo Benevenuto, as plataformas sociais não têm como banir certos robôs: “Primeiro porque não dá para saber claramente se um perfil trata-se de um robô. Você pode desconfiar, mas não vai banir ele por isso. Mas é claro que se o Twitter, por exemplo, percebe que há um perfil postando mais de mil tweets por minuto, ele vai ter certeza que aquilo é um fake. Nenhum humano tem capacidade de fazer isso. Geralmente, bane-se um perfil suspeito quando ele apresenta um padrão de postagem que não condiz com o de uma pessoa real. Na Coreia do Sul, por exemplo, há uma rede social que exige o número de identificação, como se fosse um CPF, para que a pessoa possa logar. Isso reduz o uso desses robôs.”
Robôs gratuitos
Há sites que disponibilizam gratuitamente códigos prontos para se criar um robô multiplicador de conteúdo. Segundo Benevenuto, há também pessoas que comercializam esse tipo de serviço. O documento do Planalto diz que “em estimativas iniciais, a manutenção dos robôs do PSDB, a geração de conteúdo nos sites pró-impeachment e o pagamento pelo envio de Whatsapp significaram um gasto de quase R$ 10 milhões entre novembro e março”.
O professor ficou espantado com os valores: “Seria preciso ter um batalhão de robôs para se gastar tudo isso, mas talvez esse número inclua também os serviços de Whatsapp que podem funcionar de um modo diferente, mais manual.”
Sobre os valores citados no documento oficial, o PSDB disse, em nota, que “o texto acusa de forma superficial e indistinta o PSDB e usuários das redes sociais críticos ao governo de terem feito gastos milionários na internet” e que “tal afirmação reflete a permanente dificuldade do governo em reconhecer e respeitar o tamanho das ações espontâneas que ocorrem nas redes sociais em oposição à administração petista”.
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Ana Clara Otoni, para o Globo.com