Seu Benedito tem 79 anos de idade. Sofre do mal de Alzheimer. A doença, em seu início, gera falhas esporádicas de memória que se repetem com frequência variável, sem constância. Na semana passada, seu Benedito saiu de casa e não teve condições de voltar. Continuou andando a esmo. Ao se dar conta do desaparecimento de seu pai, o filho rapidamente acionou as autoridades e começou uma busca intensa nas imediações do bairro onde mora a família, na zona leste paulistana.
Foi quando o filho teve a ideia de compartilhar pelo Facebook a foto do pai, bem como uma descrição de como ele estava vestido no dia em que desapareceu. Em menos de 24 horas, mais de 30 mil pessoas compartilharam a nota do filho e seu Benedito foi encontrado em Itapevi, município vizinho a São Paulo.
No mês passado, nos EUA, Deborah levou seu filho ao médico para verificar manchas e inchaço na face. Diagnosticado como tendo uma simples alergia, Deborah voltou para casa e no Facebook compartilhou com os amigos uma foto dos dois festejando a boa notícia. Em poucos minutos, recebeu várias mensagens de pessoas sugerindo que o problema com o filho era mais sério do que o diagnóstico que o médico havia passado. Deborah levou o garoto ao hospital e lá descobriu que os sintomas eram decorrentes de uma enfermidade rara, muito grave e mortal, chamada Doença de Kawasaki. Tratado a tempo, o menino se recuperou completamente.
O fenômeno da “tecnodesinibição”
O comportamento da família de seu Benedito não é novidade. Quando queremos encontrar alguém, distribuímos fotos e informações para que outras pessoas nos ajudem. No caso de Deborah, a mesma coisa. Compartilhou a notícia e confiou nos conselhos de seus amigos. Em tempos de redes sociais, há muita discussão em relação à mudança de comportamento das pessoas. Mudamos nosso comportamento social? Estamos diferentes? Fazemos coisas que não fazíamos antes? Sim e não.
Não, o nosso comportamento social não mudou. Continuamos pedindo conselhos, confiando nas indicações de nossos amigos. Sim, estamos mais propensos a ter atitudes que sempre foram difíceis de acontecer no nosso cotidiano. Os exemplos do seu Benedito e da Deborah confirmam isso. O comportamento social é o mesmo. O que mudou foi a facilidade e o empowerment que as pessoas têm com novas tecnologias sociais. As ferramentas encorajam e amplificam ações, em escala nunca antes vista. Imagine quantos cartazes colados nos muros seriam necessários para fazer com que 30 mil pessoas se conectassem com um amigo para informar sobre o desaparecimento do seu Benedito!
Certamente milhares de pessoas que compartilharam a foto desse senhor não têm ideia de quem ele seja. No entanto, a rapidez, o alcance e a facilidade de usar a rede social para ajudar estimularam a atitude das pessoas. É o fenômeno da “tecnodesinibição”, ou o desejo de agir diferentemente do normal quando se está online. A “tecnodesinibição” é um fenômeno que acontece tanto para temas cotidianos e pessoais como na maneira como nos relacionamos com qualquer outro assunto.
Um desafio que não é simples
Segundo estudo da MicroDialogue, feito com mais de 1.200 usuários de redes sociais nos EUA, quase um terço dos entrevistados disse que por meio de redes sociais sentia mais poder de fazer algo que fazia sentido para seus princípios, mas não tinha coragem de executar. A “tecnodesinibição” é um desafio para a comunicação moderna. Consumidores, eleitores, clientes, cidadãos estão cada vez mais propensos a compartilhar opiniões – positivas ou negativas – e querendo contar histórias sobre as suas experiências.
Quem tem de se comunicar com o público, deve estar atento a essa realidade e monitorar como as pessoas estão construindo histórias. De que forma narram uma experiência para amigos. O desafio não é simples. O resultado, porém, pode ser fascinante. Que alegria saber que seu Benedito está de volta em sua casa.
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[Alexandre Hohagen é jornalista e publicitário, responsável pelas operações do Facebook na América Latina]