Luke Soules foi uma das primeiras pessoas do mundo a colocar suas mãos em um iPad. E ele não perdeu tempo – foi pegar e começar a desmontá-lo. Co-fundador de uma empresa que desmonta aparelhos, a iFixit, Soules abriu o dispositivo da Apple e decobriu uma memória flash NAND da Samsung e chips da Broadcom Corp e da Texas Instruments.
A empresa de Soules trabalha com consultoria relacionada a componentes de aparelhos da Apple – e também os identifica. O trabalho deste tipo de empresa pode se tornar crucial para identificar que empresas se beneficiam de um dispositivo cuja expectativa de vendas para 2010 é de 5 milhões de unidades.
Soules passou a noite em um estacionamento do lado de fora de uma loja da Apple em Richmond, estado da Virgínia. Ele foi o primeiro a sair da hoje, logo depois que ela abriu às 9 da manhã, com um iPad em suas mãos. Seus funcionários o cumprimentaram e bateram palmas. Ele sorriu, mas tinha pressa – e trabalho para fazer.
Sem perder um segundo, Soules entrou num carro que o esperava e percorreu alguns quilômetros até chegar à casa de um amigo, onde ele havia guardado suas ferramentas de destruição. Ele mal teve tempo de admirar o aparelho fora da caixa. Sequer o ligou.
A Apple é conhecida por manter segredo em relação ao que há dentro de seus produtos, que são selados de forma a não encorajar geeks curiosos a fuçar em suas entranhas – e com o iPad não foi diferente.
O aparelho não tem parafusos. Mas trabalhando com uma ferramenta chamada spudger, que parece um lápis e serve justamente para abrir aparelhos selados desta forma, ele levou apenas 10 minutos para separar a bela tampa de vidro do aparelho de sua base prateada.
E começou a mexer por dentro do aparelho, um labirinto de partes eletrônicas que seria literalmente impenetrável para a maioria das pessoas.
‘Isso é muito, muito legal’, disse quase em tom de reverência.
A alma do iPad
Empresas de desmonte de aparelhos são contratadas por diferentes tipos de clientes e suas informações são utilizadas de forma competitiva, em disputas por patentes ou para que algumas empresas consigam manter os padrões mais recentes da indústria.
Às 9h30, Soules já tinha virado o iPad do avesso e começava a compartilhar seus segredos com o resto do mundo.
Há uma acirrada competição para saber quem iria ser o primeiro a abrir o iPad e revelar o design, os chips e os componentes internos – e a iFixit conseguiu vence-la, o que lhe garante status para seu trabalho.
Meses de antecipação se passaram desde o anúncio do aparelho, gerando – pelo menos nos circúlos tecnológicos – uma grande expectativa para saber como é o iPad por dentro.
Em 45 minutos, a iFixit tinha deixado o aparelho – o reluzente símbolo da bruxaria tecnológica da Apple – aos pedaços, suas partes dispostas sobre um fundo branco.
Soules logo fez um vídeo rápido, narrando à medida em que tirava fotos e as enviava para o colego Kyle Wiens e outros funcionários na Califórnia, que iam postando-as online e ajudando-o a identificar as partes do aparelho.
O desmanche feito pela iFixit foi feito praticamente ao vivo e foi acompanhado por milhares de fãs da Apple após o aparelho chegar às lojas.
Veterano de outras incursões do tipo, Soules estava preparado para os truques que a Apple poderia ter deixado em seu caminho, mas o iPad não foi difícil de se desmontar como outros aparelhos da empresa.
Soules removeu a principal placa do aparelho às 10 da manhã. O dispositivo de 10 centímetros estava coberto com um escudo anti-interferência eletromagnética – e debaixo dele haviam todos os microprocessadores que o fazem funcionar.
‘A grande parte do cérebro do iPad está nessa pequena placa. É incrível o que eles conseguem encaixar em um espaço tão pequeno’, disse Soules.
O diabo nos detalhes
Uma das primeiras partes identificáveis foi uma memória flash NAND, feita pela Samsung, que também produziu outros componentes para aparelhos Apple. Soules logo notou os chips feitos pela Broadcom Corp e pela Texas Instruments Inc.
Também havia pelo menos três outros chips com a marca da Apple. A empresa é conhecida por mascarar a identidade de alguns de seus fabricantes de chips estampando o logo com a maçã sobre as partes. O principal chip do iPad é uma criação da Apple, um processador A4 que controla os programas do aparelho.
Depois de remover a placa, Soules fuçou ainda mais com uma chave de fenda Torx para manipular os minúsculos parafusos dentro do iPad. Suas unhas cuidadosamente o ajudaram a tirar a tampa. ‘Este processo fica mais fácil se eu deixar minhas unhas compridas’, disse.
Soules descobriu que a bateria do iPad não é soldada, o que quer dizer que ela pode ser removida e substituída por quem se dispõe a meter a mão na massa. A própria iFixit trabalha em uma forma de recuperar a bateria para não gerar lixo eletrônico.
A Apple sugere que seus clientes reenviem seus iPads para a empresa para a substituição da bateria ao pagar uma taxa alta.
Às 10h45, Soules estava cuidadosamente mexendo no display do iPad, seu componente mais caro. Uma grande dúvida recaía sobre quem seria seu fabricante, mas esta questão não pode ser respondida. Ele retirou um adesivo esperando que pudesse encontrar o nome do fabricante debaixo, mas só achou um número de série indecifrável
‘Não foi desta vez’, disse quase em silêncio.
Além da loja em Richmond, a iFixit também comprou outros iPads em Indianápolis e em Orlando, na Flórida. A empresa tinha funcionários nas duas cidades, onde se localizam duas centrais de remessas da transportadora Fedex.
A empresa havia cogitado a possibilidade de conseguir o aparelho com algumas horas de antecedência ao monitorar as centrais da Fedex logo no início da manhã e, quem sabe, interceptar um unidade.
Mas não deu certo e eles resolveram ir para a fila – para o início dela, na verdade – em três cidades.
A Comissão Federal de Comunicações (FCC, a Anatel dos EUA) também conseguiu roubar alguma atenção da iFixit. Blogueiros descobriram na sexta-feira que a Comissão havia publicado imagens do aparelho aberto em seu site, mesmo após a Apple pedir para que ela os mantivesse em segredo.
A iFixit passou aquela noite inteira tentando identificar as partes, que não necessariamente eram as mesmas partes nos iPads de verdade.
Ao meio-dia do sábado, quase todo o desmanche do iPad havia sido feito. Mas ele será mantido sob análise durante pelo menos mais uma semana, quando serão utilizados equipamentos sofisticados que podem abrir os componentes e determinar como – e por quem – eles foram fabricados.