Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

A ‘era iPod’ (2001-2009)

Calma, o iPod só morreu como símbolo

Mais de 220 milhões de unidades vendidas. Cerca de 8,5 bilhões de músicas comercializadas na loja online iTunes Store. Para um aparelhinho que foi recebido com certa desconfiança pelo público e pela imprensa especializada, o iPod foi bem longe. Desde seu lançamento, em 2001, o tocador de MP3 tornou-se ícone cultural, sinônimo de música digital e objeto de desejo. Não é exagero chamar a primeira década do século 21 de ‘era iPod’, que, com a chegada de uma série de serviços que permitem o streaming em vez do download, parece ter chegado ao fim.

Mas por que o player portátil da Apple é tão emblemático? Ele nem foi o primeiro tocador de MP3 – ao contrário do Walkman, da Sony, que, em 1979, inaugurou a era da música portátil. Ainda assim, se tornou um imenso fenômeno. A explicação? ‘Usar a simplicidade como poder é nosso grande segredo’, arrisca Fábio Ribeiro, porta-voz da Apple no Brasil. ‘A especificação dos nossos produtos não revela o seu potencial’.

Simples, bonito e fácil de usar. O iPod empacota esses conceitos, além de trazer a aura de inovação e o marketing sedutor que é característico dos produtos fabricados pela empresa de Steve Jobs. ‘Os aparelhos da Apple não são obras de arte, mas são obras de design com relevância museológica’, observa Marcelo Dantas, designer e criador de museus. Não é à toa que diversos gadgets da companhia pertencem à coleção de design do Museu de Arte Moderna de Nova York. Além de tudo isso, antes do iPhone, cerca de 50% da receita da Apple chegou a vir da venda de iPods.

Passado o longo encantamento inicial, no entanto, o aparelho – e a própria Apple – precisava evoluir para continuar atual, e foi isso que aconteceu. Em 2003, Jobs deu sua derradeira cartada no mercado fonográfico – e na distribuição de conteúdo legal. Com uma base crescente de fiéis usuários, ele convenceu as gravadoras – atordoadas com o impacto no Napster e o início da pirataria digital – de que o melhor lugar para vender música digitalizada era a Apple.

Inaugurada em abril daquele ano, a iTunes Store virou a maior vendedora de música do mundo em apenas cinco anos. Mas esse sucesso todo não resolveu o problema da pirataria. Pelo contrário, o ampliou.

Como observa Chris Anderson, editor da revista Wired, em Free (Campus), ‘o iPod (…) só faz sentido se você não precisar pagar milhares de dólares pela sua biblioteca musical. O que, é claro, muitas pessoas não fazem’. Uma rápida conta – divida o número de músicas vendidas via iTunes pelo de iPods vendidos – comprova a tese. Portanto, como observou ao Link o mídia futurista alemão Gerd Leonhard, ‘a grande maioria das músicas nos iPods são ilegais’.

Para a Apple, isso não é um grande problema. A sua principal fonte de renda é a venda de hardware (neste caso de iPods) e não de músicas. Assim, nos anos que se seguiram, o gadget foi se transformando. Ainda que a conta-gotas, incorporou novas funções, mais espaço de memória e novas cores. Em 2007, veio a grande transformação. Com o lançamento do iPhone e, pouco depois, do iPod Touch, o aparelho abandona em definitivo sua primeira encarnação – a de um simples tocador de MP3 – para acelerar a convergência que assistimos hoje, pois, num único dispositivo, dava para ouvir música, ver filmes, acessar a internet, etc. ‘A principal diferença é que no iPod eu colocava conteúdo baixado, enquanto no iPhone eu consigo baixar ou consumir conteúdo diretamente nele’, observa hoje o teórico Henry Jenkins, autor de Cultura da Convergência ( Aleph). ‘Foi uma dramática revolução’, conclui.

Apenas no início de 2008, no entanto, com a criação da App Store, loja de aplicativos da Apple (que tornou-se padrão para outras marcas) é que a transformação ganhou seus contornos atuais e cristalizou o seu alcance. Uma série de aplicativos para leitura de livros, por exemplo, se popularizam. Em 2009, inúmeros serviços de música baseados na nuvem, ou seja, em que não é preciso fazer nenhum download, como Last.fm e Spotify, lançaram aplicativos para o iPhone e o iPod Touch.<

Lentamente, a ‘era da nuvem’ vai colocando um ponto final na ‘era do iPod’. A queda na venda dos iPods mais tradicionais é um sinal disso. Mas, atenta, a Apple já reinventou o seu antigo tocador de MP3. Hoje, em sua versão, mais avançada, o iPhone (sim, o smartphone da Apple é hoje o melhor iPod) e o iPod Touch (muito popular com games), ela está pronta para competir com seus incontáveis concorrentes – em suma, todo dispositivo portátil com acesso à internet. Na verdade, talvez até esteja em vantagem. Atualmente, os dois aparelhos são responsáveis pela metade do tráfego de dados por dispositivos móveis no mundo. Ainda assim, a Apple guarda uma carta na manga.

Steve Jobs e o tão esperado tablet da Apple, o iPad

‘Tenho certeza de que sempre haverá dispositivos dedicados (com apenas uma função), e eles podem ter algumas vantagens em fazer apenas uma coisa’, disse Steve Jobs ao The New York Times, em setembro, questionado sobre o Kindle, da Amazon. ‘Mas acho que aparelhos com múltiplas funções vão ganhar o dia, porque as pessoas provavelmente não vão querer pagar por aparelhos que só servem para fazer uma coisa’, concluiu, talvez prenunciando sua próxima cartada, o tão esperado tablet, que, entre outras, promete esquentar o mercado de distribuição de livros e filmes digitais. Um detalhe: ninguém confirma o aparelho, que já se convencionou ser chamado de iPad. Jobs sabe bem o que diz e a discreta morte e a reinvenção do conceito do iPod comprovam isso.

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Depois da música, é a vez dos filmes e livros

Até pouco tempo atrás, YouTube e Vimeo eram praticamente as únicas boas opções de conteúdo audiovisual na nuvem. No entanto, de um tempo para cá, o mercado norte-americano vem apostando na distribuição online de filmes, séries e programas de televisão.

Uma coalizão de estúdios (NBC, Fox, ABC e outros) criou o Hulu, que oferece gratuitamente toda a programação desse canais. Já a Netflix, a maior locadora dos Estados Unidos, lançou um bem-sucedido pacote ilimitado de filmes por streaming a US$ 9 – já adotado por 20% de seus clientes. Ambas as iniciativas trabalham em aplicativos para iPhone e iPod Touch, entre outros dispositivos moveis, e devem influenciar na transição dos aparelhos para a era da computação em nuvem.

Aqui no Brasil, não há nenhum serviço da dimensão dos citados, mas já dá para assistir a toda a programação da Fox no Mundo Fox e a uma boa quantidade de filmes e seriados pelo Terra TV. A locadora Netmovies também inaugurou o seu aluguel de filmes na web, mas o catálogo ainda é bem fraco.

Já o mercado de livros digitais, até então quase inexplorado e pouco atrativo para os leitores, foi aquecido pelo lançamento de dispositivos específicos para a leitura, como o Kindle, e deve ser bastante expandido como ambicioso projeto de digitalização do Google, o Google Books.

Filmes

Alguns serviços de download e streaming de filmes começam a surgir, ainda de forma modesta. Serviços de download têm dificuldade para decolar devido ao alto preço, ao espaço limitado de disco rígido do usuário para armazenar grandes arquivos e a dificuldade em se assistir aquele filme comprado ou alugado em diferentes dispositivos eletrônicos. Já o streaming, apesar de agradar aos usuários pela facilidade e comodidade, ainda é visto com desconfiança pelos estúdios, que não liberam os lançamentos para serem vistos nesse formato. Eles trabalham em uma solução intermediária.

Livros

É o mais atrasado entre os três. Apenas recentemente, com o surgimento do leitor de livros eletrônicos Kindle, da Amazon, e alguns outros e-readers, começou a fazer algum sentido pensar que, um dia, o livro de papel não será o principal suporte para a literatura. Ainda assim, o Kindle tem muito a evoluir, como, por exemplo, permitir o acesso à internet. Enquanto esse dia não chega, ou quem sabe o tablet da Apple venha a suprir essa oportunidade, a bibliteca da nuvem se restringe a pequenas amostras oferecidas por praticamente todas as editoras, além dos já tradicionais Scribd e Google Books.

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Todos os caminhos levam à nuvem

Hoje, basta um computador ligado à internet para ter acesso a praticamente qualquer filme, livro ou música, muitas vezes de forma ilegal. Logo mais, não será necessário baixar nada para ter tudo isso quando e onde quiser. E, o melhor, dentro da lei e, muitas vezes, grátis.

Cortesia da nuvem. Mas afinal o que é isso? No mundo pré-internet, tudo devia estar instalado ou armazenado no computador. Com a nuvem, tudo é acessado via internet.

‘A cultura já está online. Qualquer mídia pode ser digitalizada com vantagens econômicas para a indústria. O que vemos agora, é a internet se tornando o principal suporte de acesso à cultura e ao entretenimento’, observa o estudioso norte-americano Nicholas Carr, autor de A Grande Mudança (editora Landscape), em que defende que a nuvem está mudando a sociedade de forma tão profunda quanto a energia elétrica nos últimos cem anos.

Antes disso é preciso entender como chegamos aqui. Se desde a virada do século ninguém dava mais muita bola para o CD, porque todos queriam ter o seu iPod lotado de músicas; o sucesso do aparelho, no seu conceito original, só foi possível porque a era Napster havia se disseminado o compartilhamento de músicas na rede.

O público estava, portanto, sedento por um dispositivo em que pudesse colocar as suas músicas e levá-las por aí – nesse ponto, o iPod deve, e muito, ao Walkman, que mais de vinte anos antes tornou a música portátil. Enfim, a história da música como produto – do fonógrafo até hoje – pode ser resumida como uma busca por ser cada vez mais acessível e disseminada.

Enquanto a música transcendeu o suporte há tempos, só agora os livros começam a se livrar do papel. E os filmes estão no meio do caminho. E é por isso que a oferta de músicas por streaming, na nuvem, é maior do que a de livros e filmes.

Os efeitos dessa mudança já podem ser observados na fatia do público mais ávida por música. Tanto nos EUA como no Reino Unido, duas pesquisas diferentes chegaram à mesma conclusão. O consumo de música em sites de streaming aumenta, principalmente entre jovens, ao mesmo tempo em que o uso regular de sites de compartilhamento de arquivos cai.

Outra evidência da consolidação da nuvem está nos estúdios de cinema. Apesar de viveram às turras com serviços de streaming de filmes, como o Netflix, todos os grandes estúdios de cinema trabalham em serviços baseados na nuvem. A Disney (que é dona da Apple) desenvolve o Keychest, tecnologia que permitirá ao público pagar um preço único pelo acesso permanente a um filme em diferentes plataformas ou aparelhos com acesso a internet, como computador, vídeo game, celulares, etc. Na literatura, as coisas ainda andam mais devagar.

‘Spotify, Hulu, Google Books, etc. são todos bons exemplos, mas nenhum deles é completo o suficiente. Alguém – adivinhe quem? – precisa se dedicar e juntar tudo isso sob um grande guarda-chuva, com uma única interface e um único lugar em que as pessoas possam administrar todo o seu conteúdo, livros, filmes, músicas, etc. Atualmente isto é tudo muito fragmentado e essas empresas estão trabalhando em produtos isolados’, afirmou ao Link Steve Jobs, dono da Apple.

Quer dizer, o Fake Steve Jobs, personagem criado pelo jornalista norte-americano especializado em mídia e tecnologia Dan Lyons. É, ele também parece saber muito bem o que diz. Não por acaso, durante um bom tempo houve quem achasse até no Vale do Silício que o Fake (falso, em inglês) era uma brincadeira do original. E o verdadeiro Jobs, o que será que está tramando?

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Com a ‘cloud music’, streaming já é, hoje, o rádio do futuro

O iPod evolui, mas a iTunes Store segue firme em seu conceito original, talvez temendo desagradar estúdios e gravadoras. Enquanto isso, outros modelos mais adaptados à nuvem ganham terreno, inclusive no iPhone e iPod Touch. Na música, o mais saudado é o do Spotify, site sueco que oferece músicas em streaming e já tem aplicativo para os dispositivos da Apple.

Para o alemão Gerd Leonhard, autor do livro Music 2.0 (inédito no Brasil), o nascimento do Spotify ‘é um sonho que se tornou realidade’, já que você ‘ouve o que quiser, quando quiser e, logo, onde quiser, seja por meio de um computador ou de um celular’. A principal vantagem da ferramenta (barrada para IPs do Brasil por causa da questão dos direitos autorais) é a comodidade, uma vez que você não tem que baixar nada; as música já estão no servidor da empresa, basta acessá-las. Imagine milhões de discos à distância de um clique, por uma pequena taxa ou completamente gratuitos. É essa a grande promessa da cloud music.

A nuvem, além de oferecer comodidade e conteúdo seguro para os usuários, ainda pode ser uma arma importante contra a pirataria. Uma pesquisa da consultoria Global Web Index mostra o óbvio: o compartilhamento ilegal diminuiria muito se as pessoas tivessem opções legais – e de baixo custo – em streaming. O estudo mostra que 55% das pessoas baixam conteúdo na rede porque ele é mais barato do que CDs, DVDs ou livros, e que 32% desses o fazem porque querem acesso imediato a ele. Acessíveis e rápidos por natureza, sites de streaming parecem feitos para essas pessoas. ‘O compartilhamento de arquivos é um problema de modelo de negócios, e não um problema legal’, define o escritor Don Tapscott, autor de Wikinomics, em artigo para o jornal inglês The Guardian.

A prova é o Grooveshark, que lucra oferecendo uma mescla de opções gratuitas e pagas. Sem gastar um centavo – no Brasil, inclusive – você tem acesso a todo o acervo, pode montar playlists, salvá-las e compartilhar com seus contatos. O grosso da renda é gerado com anúncios na página principal.

Mesmo a Apple, que ainda confia nos downloads pagos do iTunes, sabe do potencial da nuvem. A App Store, loja de aplicativos, serve para oferecer alternativas web-based, que estão ao alcance, é claro, de diversos outros dispositivos e qualquer PC conectado.

Streaming é o novo rádio

** YouTube

Pró – Conhecidíssimo, gratuito e lotado de todo tipo de música

Contra – Sem acordos com todas as gravadoras, o YouTube tira do ar músicas piratas.

** Grooveshark

Pró – Acervo de mais de 6 milhões de músicas, que os próprios usuários atualizam

Contra – Fechou acordo só com a EMI, mas ainda é ilegal

** Last.fm

Pró – Usa um sistema de padrões que indica músicas que batem com seu gosto

Contra – O serviço passou a cobrar US$ 3 anuais

** Sonora

Pró – Opção legal que pode ser usada em celulares

Contra – O acervo é bem menor do que o dos sites estrangeiros de streaming