Nada mais representativo do mundo atual do que discutir a influência das redes de comunicação social no comportamento da sociedade. Seja pelo uso do Twitter e do Facebook na onda de protestos que derrubou a ditadura de Ben Ali, na Tunísia, e ameaça encerrar outra ditadura longeva, a do Egito, dominado por Hosni Mubarak desde 1981, seja pela capacidade de viciar o usuário, com os maus hábitos propiciados pelo uso da internet neutralizando suas vantagens.
No Fórum Econômico Mundial, uma sessão especial tratou do vício das redes sociais, enquanto no número de janeiro/fevereiro da revista Foreign Affairs um longo artigo de Clay Shirky, professor de Novas Mídias da Universidade de Nova York, trata do poder político desses novos instrumentos tecnológicos de comunicação social. Escrito antes da derrubada do governo da Tunísia, o artigo cita casos em que o poder das redes sociais ajudou a derrotar governos, tanto ditatoriais quando democráticos.
O primeiro caso conhecido ocorreu em 2001, durante o julgamento de impedimento do presidente Joseph Estrada das Filipinas. Um grupo de governistas no Congresso aprovou a retirada do processo de provas essenciais contra o presidente e duas horas depois a principal avenida da capital Manila estava bloqueada por um protesto convocado pelo celular com cerca de sete milhões de mensagens enviadas. A votação foi revertida e três dias depois Estrada foi cassado.
Prêmio esporádico
Mas o autor cita também diversos casos em que o uso dos novos meios de comunicação não logrou êxito, como na Bielorússia, em março de 2006 quando protestos de rua, convocados em parte por e-mails, fracassaram, deixando o presidente Lukashenko mais determinado do que nunca a controlar as redes sociais. Ou no ano passado, na Tailândia, quando protestos convocados pela mídia social foram reprimidos, e dezenas de pessoas morreram. Como acontece agora no Egito, onde a ditadura de Mubarak tenta reprimir violentamente os protestos convocados pela rede social.
A capacidade de mobilização das redes sociais, aliás, já era temida pela ditadura egípcia, que recentemente aprovou uma licença obrigatória para grupos que queiram usar mensagens de texto, como maneira de poder monitorá-los.
A conclusão do professor Clay Shirky, da Universidade de Nova York, é que por si só as redes sociais não têm um poder político insuperável, sendo necessário que a sociedade esteja amadurecida para que seus efeitos aconteçam. A influência das redes de comunicação social nas modernas sociedades, por outro lado, é preocupante para alguns especialistas, enquanto para outros é um fato que não pode mais ser ignorado.
O tempo médio gasto pelos usuários nas redes sociais aumentou 82% em 2009, segundo dados anunciados aqui em Davos, no Fórum Econômico Mundial. A capacidade de viciar dessas redes, como Facebook, é atribuída em parte a um fenômeno descrito por B. F. Skinner, considerado o pai da ‘psicologia comportamental’, que identificou que usuários dessas redes costumam checá-las permanentemente em busca de um prêmio que só vem esporadicamente.
Comportamento patológico
Já Manuel Castells, sociólogo espanhol que dá aulas na Universidade Southern Califórnia, acha que as redes de comunicação social mudaram a lógica do poder na sociedade atual e já não se pode fazer política se não se levar em conta a crescente autonomia e o dinamismo da sociedade, utilizando a desintermediação dos meios de comunicação. Ele diz que, como as redes organizam o mundo das finanças, da produção, da comunicação, da política, das relações interpessoais, só uma teoria que parta da relação nessas redes de poder pode chegar a entender a prática social e política da sociedade atual.
No debate aqui em Davos, os participantes – entre eles o próprio Clay Shirky, Marissa Mayer, vice-presidente para pesquisa de produtos e experiência com usuários da Google; Dan Ariely, professor de Psicologia e economia comportamental da Universidade Duke; Reid Hoffman, fundador da LinkedIn – foram incumbidos de identificar aspectos negativos das redes de relacionamento social e as soluções para os problemas. Surgiram diversas críticas, não apenas ao aspecto do vício e distração no trabalho, como ao impacto nas habilidades cognitivas, na saúde e questões de privacidade que desafiam as soluções.
Houve um consenso entre os participantes de que as redes sociais de maneira geral são boas, e que os problemas acabarão sendo resolvidos com o correr do tempo. Para chegar a esse equilíbrio mais rapidamente, no entanto, é preciso um acompanhamento dos pais. Foram apresentados estudos que indicam que o uso excessivo das redes sociais provoca em alguns usuários uma atitude antissocial, fazendo com que evitem o contato pessoal. A interação mais aprofundada tem sido trocada por uma forma rápida, impedindo um contato mais argumentativo. Esse hábito poder provocar déficit de atenção.
Os comportamentos desvirtuados como bullyng são acelerados e amplificados pela internet, e as soluções têm que estar centradas na educação, talvez com as escolas ensinando desde cedo as vantagens dos novos instrumentos tecnológicos e os perigos de seu mau uso. Grupos de apoio têm que ser criados para ajudar aqueles que tiverem comportamento patológico pelo uso das redes sociais.
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Sociedades maduras
A revolução popular que derrubou a ditadura da Tunísia começou com um fato ocorrido no interior profundo do país, e que foi amplificado através de relatos no Facebook. Uma simples discussão, com agressões, entre uma feirante e uma policial acabou se transformando em um protesto dramático, com a feirante se imolando em praça pública em frente ao palácio do governo.
Sua imagem em chamas foi transmitida através do Facebook, e representou a revolta contra o tratamento humilhante dado pelas autoridades aos cidadãos. Como era um sentimento generalizado, o protesto espalhou-se pelo país.
Este ano o governo americano parece estar empenhado em defender a liberdade na internet como um instrumento político para espalhar a democracia em regiões como o mundo árabe.
O Egito, por exemplo, está tentando impedir que imagens das revoltas em diversas partes do país contra a ditadura de Hosni Mubarak sejam enviadas pelo Facebook ou pelos celulares, e o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, fez um apelo para que fossem restabelecidos os serviços de internet (que classificou de ícone da liberdade), de telefonia celulare redes sociais.
A Secretária de Estado Hillary Clinton já havia anunciado no início do mês que os Estados Unidos apoiariam uma campanha internacional pela liberdade de acesso à informação, como resposta às dificuldades que países como o Irã e a China impõem ao uso do Google ou da Wikipedia; pelo direito dos cidadãos de produzirem suas próprias publicações, como, por exemplo, os ativistas de Burma; e pelo direito de trocar mensagens sem a interferência dos governos.
Sem atrito
Recentemente o escritor brasileiro Paulo Coelho, um dos mais vendidos no mundo – O Alquimista está há três anos na lista de mais vendidos do The New York Times – teve uma experiência de como usar os novos meios tecnológicos para reagir a uma tentativa de censura do governo do Irã a seus livros.
A proibição de seus livros, depois de mais de dez anos entre os mais vendidos do país, acabou se transformando em um veto ao seu editor, que teve que deixar o país.
A maneira que Coelho encontrou de reagir à proibição foi liberar seus livros para serem baixados de graça pela internet.
Ele está tendo milhares de acessos por dia a seus livros e neste mês de janeiro já atingiu dois milhões de visitantes únicos em seu blog.
Paulo Coelho, que colabora com a comissão organizadora do Fórum Econômico aqui em Davos, esteve com o chanceler brasileiro Antonio Patriota para agradecer o empenho do governo brasileiro no caso.
Um dos mais seguidos do mundo no Twitter, segundo a revista Forbes, Coelho há muito tempo tem usado os novos meios tecnológicos para um contato mais freqüente com seus leitores, e disponibiliza seus livros na internet de graça.
Nessa luta entre a cidadania e os governos autoritários na internet, há casos curiosos como o relatado pelo professor Clay Shirky em um artigo do número de janeiro da Foreign Affairs.
Ele conta que o governo americano está empenhado em financiar pesquisas para desenvolver mecanismos que impeçam os governos de restringir a internet, ou que sejam capazes de reabrir o acesso à internet quando ele for bloqueado pela ação governamental.
Acontece que um dos mais eficientes mecanismos contra a censura da internet foi desenvolvido pela seita Falun Gong, justamente para evitar o controle do governo chinês.
E o governo dos Estados Unidos evita incentivar esse mecanismo por que não quer entrar em atrito com o governo chinês, que considera o Falun Gong um ‘culto pernicioso’.
Ideia equivocada
O poder da internet e das redes sociais, segundo Clay Shirky, professor de Novas Mídias da Universidade de Nova York, se baseia principalmente no seu apoio à sociedade civil e à esfera pública, processo que se mede em anos ou décadas.
Por isso ele sugere que o governo americano, em vez de apoiar a liberdade na internet fora dos Estados Unidos como uma maneira de incentivar a democracia, promova campanhas a favor das liberdades civis como a liberdade de expressão, a liberdade de imprensa e o direito de livre associação.
Com esses conceitos prevalecendo nos países, o trabalho de amplificação das redes sociais e da internet terá mais efeito, pois encontrará uma sociedade amadurecida e mais receptiva aos incentivos divulgados.
Shirky considera equivocada a idéia de que as redes sociais por si só levam à democracia, e lembra que muitos governos autoritários estão se aproveitando dos mesmos mecanismos para se fortalecer.
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Jornalista