Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A guerra fria de bits e bytes

A transição da era analógica para a digital está deixando de ser apenas um espetáculo de deslumbramento tecnológico para transformar-se também numa guerra onde a informação é ao mesmo tempo a grande arma e o grande objetivo. 

É a conseqüência inevitável da materialização crescente das conseqüências e desdobramentos sociais de inovações eletrônicas queestão mudando a nossa forma de viver. Repetindo o que aconteceu no inicio da era industrial, os interesses afetados pela mudança reagem e surgem os conflitos que começam econômicos, evoluem para o político e acabam no social.

As manifestações do confronto começam a pipocar em vários ambientes e pela primeira vez apareceu num grande evento político internacional há pouco mais de uma semana, na reunião do G-8, em Paris, quando o presidente francês , Nicholas Sarkozy, pediu que a internet seja colocada sob o controle governamental, por meio de uma regulação que proteja os direitos autorais e a privacidade.

Novos vírus

Esta foi a tônica central de seu pronunciamento tanto aos seus colegas do G-8como os principais empresários da internet mundial, mas a imprensa internacional destacou apenas a frase “Sarkozy faz chamada para liberar a rede”, numa suspeita quase unanimidade editorial.O fato é que o presidente francês parece interessado em assumir a liderança da campanha para “domesticar” a internet mundial por meio de uma regulamentação imposta de cima para baixo.

Mas enquanto o G-8 [grupo inicialmente criado em 1975 pelas seis nações mais ricas do mundo (França, Estados Unidos, Inglaterra, Japão, Alemanha e Itália), aos quais se juntaram posteriormente Canadá e Rússia] prepara o cenário para uma polêmica mundial, noutros segmentos da internet estão se multiplicando as jogadas estratégicas em busca de posições de força. Google voltoua acusar a China de invadir computadores da empresa americana, ao mesmo tempo em que o Pentágono admitiu estar preparando uma força especial, ultra secreta, para lidar com o que chamou “invasores cibernéticos”,numa linguagem típica da antiga Guerra Fria.

Os chineses negaram ter violado as contas de correio eletrônico de altos funcionários do governo americano no Gmail. Mas o Departamento de Estado decidiu investigar a denuncia da Google, segundo a qual a invasão teria sido feita a partir de uma escola de informática, em Jinan, na região ocidental da China.

Na Inglaterra, o presidente da British Telecom, um dos maiores grupos de telecomunicações do mundo, pediu a criação de um “tratado mundial de não proliferação de armas cibernéticas”. Michael Rake se disse assustado com a rapidez com que se multiplicam os ataques contra bancos de dados de empresas e governos.

Nos Estados Unidos, o jornal The Washington Post revelou que um vírus para infecção de computadores chamado Stuxnet é a principal arma virtual do US Cyber Command, cujas ações vão desde a invasão de computadores do programa nuclear iraniano até o bloqueio da página web da revista online Inspire, supostamente vinculada à Al Qaeda, de Osama bin Laden.

Catástrofes potenciais

Depois de livrar-se de uma guerra mundial que seria travada no terreno nuclear, a humanidade está agora diante da possibilidade de um novo conflito planetário, desta vez no espaço virtual. É um terreno completamente novo e cheio de paradoxos.Uma internet tutelada por governos vai contra a liberdade de criação que é a base da nova economia digital, onde as inovações acontecem num ritmo muito mais rápido do que o da aprovação de leis e regulamentos.

Por outro lado, uma internet controlada e regulamentada pode ser boa para os governantes de turno na Europa e Estados Unidos, mas por outro lado oferece aos regimes autoritários de outras partes do mundo um pretexto plausível para proibir o uso de ferramentas digitais como as que alimentaram os protestos populares em países como o Egito, Síria, Tunísia, Filipinas e Iemen.

Além disso, os encarregados da guerra cibernética são, em geral, militares formados para enfrentar conflitos convencionais onde o inimigo é claramente identificado. Isto pode funcionar no caso da al-Qaeda, mas fica difícil de imaginar quandoo adversário são milhares de crackers como os que simpatizam com o site Wikileaks, especializado em divulgar segredos diplomáticos, financeiros e militares. [Os crackers são programadores especializados em invadir computadores e quebrar códigos de segurança. As vezes são confundidos com os hackers, que são os descobridores de novos softwares.]

Outro diferencial muito importante é o fato de que a munição agora não são mais os explosivos, balas e mísseis, mas algo tão intangível como a informação. Elapode não fazer vítimas diretamente, mas provoca catástrofes inimagináveis quando usada para acionar dispositivos convencionais.