Hoje lemos uns quatro jornais diferentes e às vezes temos dificuldade em recordar as diferenças entre uma e outra matéria entre eles. Com o super-enxugamento das redações, é cada vez mais difícil oferecer material diferenciado ao leitor – assunto já requentado, batido e debatido neste Observatório.
Outro problema surge quando leitores e jornalistas procuram a internet para se aprofundar. Foi-se o tempo em que a internet brasileira era uma excelente fonte de aprofundamento, com redações completas e jornalistas empenhados em procurar notícias e produzir reportagens especiais – sem depender da boa vontade (ou interesse) das fontes e das assessorias.
Com a queda de muitos sites e a demissão ou não-remuneração de bons profissionais, basta acontecer algo diferente e todos saem correndo atrás, sem olhar direito aonde estão pisando.
Spy vs. Spy
Jornais e sites brasileiros publicaram a ‘bomba’ de que um grupo, denominado Hackers Against America (HAA), e com brasileiro(s) no meio, estava planejando ataques aos servidores do governo americano, roubo de documentos confidenciais e invasões nos computadores do jornal New York Times.
Em tempos de ojeriza generalizada aos americanos e aos Larry Rohter da vida, a causa até pode ter soado interessante para muita gente. Mas, em seguida começam a aparecer notícias sobre o HAA ajudando grupos terroristas, como o al-Qaeda, e de um suposto integrante que seria até mesmo um agente duplo infiltrado no exército americano.
Agora passou e não vale mais a pena procurar saber quem errou mais: a imprensa por não buscar uma melhor apuração ou os pseudo-hackers atrás de seus 15 minutos de fama antes do tempo. Algumas pessoas, inclusive, cogitam a hipótese de o HAA não ser um grupo de hackers coisa alguma: apenas querem mostrar que a própria imprensa não precisa nem de hackers para atacá-la, visto que às vezes ela fuzila a si mesmo. Sinistro cenário.
Questões delicadas
O especialista em segurança Marcos Flávio Assunção, de Lavras (MG), parece ter seguido a máxima de Confúcio ao lembrar que, para comandar uma cidade, é preciso arrumar a própria casa primeiro. Após trocar e-mails com um dos integrantes do HAA, Assunção percebeu que o suposto hacker estava em um sistema inseguro e poderia ser facilmente invadido.
No final das contas, os hackers contra a América terminaram sendo hackeados e todos ficaram contra eles. Uma outra ironia do destino é que Assunção já foi personagem de uma reportagem do próprio New York Times sobre os hackers brasileiros, ano passado, assinada pelo correspondente Tony Smith.
Se os verdadeiros hackers brasileiros querem divulgar falhas de segurança em empresas, alertar administradores de rede, mostrar quão inseguro é a plataforma que os usuários usam, então tudo ótimo. Se quiserem ajudar a resolver ou dar dicas, melhor ainda. Mas a imprensa precisa fazer a parte dela também. Não sigam o exemplo adotado neste caso do HAA, pois não foi a primeira e nem a segunda vez.
Somente na área de tecnologia, aconteceu e continuam a acontecer situações similares com algumas questões delicadas como cartuchos de tinta remanufaturados, software-livre, (in)segurança dos sistemas bancários online, falcatruas e politicagens em parques tecnológicos, relações escusas de trabalho no setor de TI e assim por diante.
Aos curiosos, uma reportagem sobre o HAA e os detalhes da ‘hackeada’ pode ser lida no The Inquirer (http://www.theinquirer.net/?article=16073).
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Jornalista no Recife (PE); URL: (www.rebelo.org)