Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A internet e o declínio dos jornais

‘Ainda não é o momento de obter lucro com jornalismo na internet, é hora de investir.’ A frase, dita pelo jornalista e professor da Universidade do Texas Rosental Calmon Alves, ecoou forte no auditório da Universidade do Minho, em Braga, Portugal, durante as Jornadas dos Dez Anos de Jornalismo Digital em Portugal, realizadas nos dias 2 e 3 de junho.

Experiente homem de imprensa, Rosental profetiza o fim do jornal de papel tal como o conhecemos. E provoca: ‘O futuro é a internet. Não podemos ter medo de canibalizar o jornal. Ele vai afundar. É o que chamo de mediacídio: a morte lenta da mídia tradicional. E não estou preocupado com o fim do jornal. Preocupo-me com o futuro do jornalismo’.

Rosental faz questão de ressaltar que o desastre provocado pela especulação em torno das ações das empresas pontocom, que desestimulou investimentos na rede, já virou passado e quem continuar no caminho de não investir na web sairá do mercado.

Para ele, as empresas devem entender que o jornal precisa fazer a transição do modelo de produto para o de serviço. ‘Um produto é algo estático, é uma coisa concreta que você pega e leva para casa, já um serviço é uma coisa dinâmica, que serve ao leitor, no telefone celular, no computador, onde seja que a pessoa quer ter a notícia.’

Diretor da Cátedra Knight em Jornalismo, da Universidade do Texas, em Austin (EUA), Rosental também acredita que a mídia precisa aprender a dialogar. ‘O jornal perdeu o poder de mediação e agora tem que se sujeitar ao julgamento dos milhões de pessoas que estão conectadas e podem ter voz ativa por meio de redes de comunicação’, afirma.

O jornalista diz que ‘hoje os usuários vêem, ouvem e lêem o que querem’. O fato de as pessoas poderem escolher onde consumir informação é um enorme desafio e um grande problema para as empresas produtoras de notícias. Elas concorrem com sites que oferecem inúmeras opções, não necessariamente jornalísticas. O grande questionamento que ele deixa é como evitar que a verba publicitária seja desviada para sites que podem ter qualquer tipo de conteúdo. A dúvida ficou no ar, sem resposta.

O balanço dos 10 anos

Jornalistas do mercado, estudantes e acadêmicos portugueses, brasileiros e espanhóis reuniram-se para o balanço do decênio do jornalismo de internet durante as Jornadas dos Dez Anos de Jornalismo Digital em Portugal, promovidas pelos pesquisadores do Mediascópio e do Ciberlab, projetos do Centro de Estudos em Comunicação e Sociedade (Cecs) da Universidade do Minho, em Braga, Portugal.

O evento trouxe para o centro do debate dois expoentes do campo do jornalismo de internet. Para uma perspectiva americana, contou com Rosental Calmon Alves, jornalista brasileiro que desde 1996 leciona Jornalismo Online na Universidade do Texas. E para dar conta do panorama europeu buscou o nome de Ramón Salaverría, professor e diretor do Laboratório de Comunicação Multimídia (MMLab) da Universidade de Navarra, em Pamplona, Espanha. [Ver próximo texto].

O cenário do ciberjornalismo português foi debatido por nomes como os de Hélder Bastos (um dos primeiros jornalistas online de Portugal), António Granado (referência no ciberjornalismo lusitano), José Victor Malheiros (diretor do Público.pt, importante jornal digital do país) e Mário Carvalho, do Expresso Online, que aproveitou e anunciou o lançamento do serviço noticioso ‘Expresso África’ e de um futuro sistema de blogs para os leitores.

Frustrações e novas expectativas

Para boa parte desta malta, talvez uma das maiores frustrações destes 10 anos de jornalismo digital tenha acontecido no âmbito editorial. Muitos dos debatedores concordaram em que pouco se avançou em termos de linguagem ciberjornalística, apesar de insistentes falatórios em torno das potencialidades hipertextuais, interativas e multimidiáticas do meio.

Rosental Calmon Alves chegou a afirmar que o jornalismo digital continua insosso. ‘Vergonhosamente o que mais vimos foi o shovelware, a simples transposição do conteúdo do papel para o meio online. O jornalismo digital continua preguiçoso e nada criativo. Neste aspecto, os leitores é que estão dando um banho nos jornalistas.’

E o que de fato se cumpriu nestes 10 anos? Em uma palavra: personalização. ‘Os usuários têm incontestavelmente hoje a informação que desejam e da forma e na hora em que desejam’, afirmou Ramón Salaverría.

O que ninguém ali no auditório da Universidade do Minho contava em 1995 era com o surgimento dos blogs, wikis e RSS (Really Simple Syndication) da vida que, curiosamente, ao lado do tão alardeado jornalismo participativo, do namoro da internet com a TV e da busca por novos e alternativos modelos de negócio para o setor, foram apontados como elementos indissociáveis do futuro do ciberjornalismo.

Ramón Salaverría arriscou prospecções para este momento: ‘Daqui para a frente o jornalismo digital será marcado pelo jornalismo participativo, em que surge a figura do cão-de-guarda do cão-de-guarda. O mercado de mídia em geral estará totalmente condicionado pela rede. Tanto em questões de publicidade como de marketing. E acredito que, se de 1995 até 2005 tivemos a web muito próxima da imprensa, muito textual, então, entre 2005 e 2015, veremos a aproximação da web com a TV, em que tudo será muito mais visual’.

Para o futuro do jornalismo online em Portugal, o professor Hélder Bastos elaborou uma previsão mais cautelosa: ‘O cenário do ciberjornalismo [em Portugal] deverá sofrer poucas alterações nos próximos anos’. Ele explicou que a realidade portuguesa, à semelhança do que aconteceu no panorama geral, passou pelas fases de nascimento, expansão, retração e estagnação e que agora deverá, com medo de retrair novamente, ‘observar os próximos acontecimentos globais antes de investir no setor’.

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Jornalista e pesquisadora de mídias digitais na Universidade do Minho, Portugal (blog Intermezzo); jornalista e pesquisador de mídia internacional na Universidade do Minho, Portugal