Nos canais de bate-papo, pelo MSN ou pelos scraps do Orkut, a moda é o internetês. Neologismo que designa uma linguagem característica da troca de informação no mundo virtual, que não segue normas gramaticais e cria uma gama própria de substantivos, adjetivos e verbos com uso restrito de caracteres. Ou seja, causa uma mutação na língua portuguesa, desmoronando-a totalmente.
O internetês transforma palavras em códigos, numa escrita rápida e direcionada. As criações atingem os mais impensáveis limites da imaginação humana. Etimologicamente, qual o significado de ‘BLZ’ e ‘ABÇ’? Os acadêmicos reacionários vão falar que ambas as palavras não passam de uma acumulação ilógica de letras do alfabeto latino.
Escrever no ciberespaço por meio do internetês, horas, horas e mais horas por dia, pode refletir no acondicionamento cultural e psicológico do indivíduo, ainda mais se este estiver em fase de crescimento – lembrando que crianças e adolescentes, mais que os adultos, têm aguçada a memória visual. Por reunir um aspecto formal dinâmico, essa escrita instantânea identifica e aproxima grupos como uma extensa comunidade.
O pronome leproso
O uso do internetês pode ser um complexo agravante quando a linguagem por corruptela escapa do campo virtual e migra para o falar e escrever do cotidiano. Isto tem gerado preocupação entre professores do ensino infantil e ginasial em decorrência dos textos dos alunos estarem com códigos indecifráveis, repletos de palavras mutiladas. Não é difícil encontramos crianças de sete anos de idade à frente do computador teclando no MSN; em pleno estágio de desenvolvimento psicológico, já se acostumam àquelas práticas ditadas pelas regras da linguagem rápida da internet. Em pouco tempo estarão aptas a adotar a escrita mal formulada, levando o que aprenderam no chat para seu mundo escolar.
Como professor universitário de Comunicação, tenho lido um sem número de redações com aspectos assustadores. Sintoma de final de batalha de uma guerra que não terminou. A redução de determinados nomes proporciona o aspecto de uma outra língua.
É impossível falar de internetês sem trazer à tona exemplos dos mais variados. Em alguns casos, podemos encontrar referência histórica, como no ‘você’ logo abaixo.
Pronome de tratamento, você logo deverá desaparecer da língua portuguesa, principalmente da forma que vem sendo usado no mundo cibernético. Na época do Brasil colônia, os portugueses se referiam uns aos outros por ‘vossa mercê’. Com sucessivas mutações, a palavra encurtou, justapôs-se e aglutinou, passando por ‘vossemecê’, ‘vomecê’, até o tão conhecido ‘você’. Com os chats, caiu para ‘vc’ e hoje vemos o solitário ‘c’. Sem sombra de dúvida, em breve, um espaço vazio na tela do computador simbolizará o pronome em questão. Com a desintegração de suas partes, podemos colocar uma nova denominação ao coitado: pronome leproso.
Um substantivo próprio japonês
Em fóruns e bate-papos, é tiro-e-queda acharmos (sem procurar) transcrição de sons para imitar o sentimento da pessoa naquele momento em que escrevera a frase. ‘Haha’, ‘hehe’ e ‘hihi’ são os mais comuns para risadas. Outros gargalham de forma moderna, como ‘huahua’, e alguns com sons estranhamente bizarros como ‘Opoakspaoskp’ (só se o cidadão estiver na Rússia).
Hoje vira ‘hj’. Outro dia, um aluno enviou e-mail para mim. Na verdade era um convite cujo início era assim: ‘Niver OG – 20:00’. Parecia código de espião de filmes sobre a Guerra Fria. Demorei a decifrar que o hoje do rapaz era ‘oge’. Por não entender a mensagem, perdi a festa.
O ‘x’ muda a cara do verbo ‘achar’, agora ‘axar’. Se o som é o mesmo, por que raios trocar um ‘ch’ por ‘x’? Cansa escrever a palavra com ‘ch’ e resolveram botar nela a antepenúltima letra do nosso alfabeto? Essa situação fica no mesmo nível do ‘aqui’. No bate-papo recorrem ao ‘aki’, que para alguns deve ser substantivo próprio japonês.
Uma aura de mistério
O último exemplo: substituíram o ‘u’ de tchau pela letra ‘l’. Despedir-se com ‘tchal’ dá mais charme, pensaram. Isso só pode ser coisa da Cacillllllda, da antiga Escolinha do professor Raimundo.
Na era pós-moderna, dos computadores velozes e da escrita digital, a comunicação entre os seres humanos também se adapta a novas tendências. Metodologias de troca de informação por meio de práticas dinâmicas afloram para agilizar o corre-corre do cotidiano. Nesse processo avassalador de transformação, será que o inevitável internetês substitui a formalidade da antiga carta? Ou o ser humano emburreceu e prefere o internetês como argumento para acomodação? Para evitar regressões e desprendimento cultural, cabe a cada um de nós separarmos o escrever no ambiente internético do absoluto palpável.
Como ditou o sociólogo espanhol Manuel Castells em sua ‘cultura da virtualidade real’, as relações humanas hoje vivem em rede, num campo crescentemente multimídia, remodelando dessa forma aspectos essenciais como linguagem, saber, cultura, conhecimento, proximidade etc. Para Castells, e para nós, os impactos ainda carregam aura de mistério.
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Jornalista, especialista em Artes Visuais e Intermeios pela Unicamp, professor universitário na área de Comunicação, História da Arte e História do Cinema, Catanduva, SP