Foi-se o tempo em que os educadores tinham o pleno direito de exercer sua função primeira – a de educar, pura e simplesmente. Foi-se o tempo em que o respeito ao mestre ocorria pela experiência e maior conhecimento daquele que ensina, seja um professor ou um treinador esportivo, e não pelo preço. A partir do momento em que tudo vira mercadoria – e que a regra é o lucro a qualquer custo –, parece que nada mais é necessário além de parecer ser a ‘decisão mais cabida pensando no bem patrimonial da empresa’.
A verdade de que ‘manda mais quem pode mais’ e nesse caso, poder mais é ‘custar mais’ o dinheiro fica acima do que se poderia julgar normal e ético e, coisas estranhas, começam a acontecer. O professor (da rede privada) começa a ter que medir as palavras com os alunos, que se julgam no direito de fazer o que quiserem, pois a própria televisão os ensina que a lógica dessa geração é a do ‘estou pagando’. Aprendem rapidamente que o valor que eles têm na sociedade é o valor que seus pais pagam de mensalidade e que professores desempregados tem aos montes por aí para substituir aqueles que foram ‘queimados’ por eles. ‘Melhor perder o professor do que as mensalidades’, pensam alguns donos de instituições de ‘educação (?)’ privada no país.
Na rede pública, apesar de não haver a questão da mensalidade, há os bônus pagos pelo governo para as escolas que tiverem bons resultados e ausência de alunos reprovados ou de recuperação. Certa vez, ao participar de uma reunião escolar de uma escola pública, ouvi uma professora dizer para uma aluna (do ensino fundamental), acompanhada da mãe, a seguinte e bizarra afirmação: ‘Você não será reprovada esse ano, fique tranquila, não iremos permitir. É bem verdade que você merece, mas não podemos perder o bônus que o governo nos paga no fim do ano.’ Perdeu-se o respeito. Logo cedo a criança aprende que quando se trata de lucrar, dá-se um jeitinho, o famoso e cancerígeno jeitinho brasileiro.
Fica de fora a importância e a individualidade humana
O que está acontecendo no futebol, símbolo maior de identificação nacional, segue a mesma lógica, porém com proporção consideravelmente maior, claro. Perdeu-se por completo o respeito. Quem procura ‘educar’ determinados comportamentos recebe como prêmio a demissão. O caso Neymar-Dorival Jr, que está repercutindo por esses dias, é um exemplo claro dessa lógica, mas não é o primeiro e está longe de ser o último exemplo. ‘Estamos criando um monstro’, disse o treinador René Simões, após o jogo entre Santos e Atlético GO, no qual o jogador Neymar xingou sem o menor pudor o técnico e o capitão do seu time. O treinador bancou a punição do jogador e exigiu gancho por tempo indeterminado para o atleta. Após apenas um jogo de gancho, porém, o Santos exigiu a reintegração do jogador ao time, contrariando a decisão de Dorival Jr e resolveu mandar o treinador embora para poder escalar o jogador sem problemas. Imagino que o monstro que René Simões disse que estava sendo criado acaba de ganhar respaldo após essa decisão, pela lógica simples do ‘sou o mais caro aqui, logo estou acima até dos meus superiores’.
Alguns meses antes, em maio de 2010, o treinador Antônio Carlos Zago também ganhou de presente sua demissão, quando dirigia o Palmeiras, após repreender e afastar um grupo de jogadores que haviam descumprido o horário combinado. Imagine em uma empresa o funcionário ser repreendido por não cumprir o horário estabelecido, reclamar e conseguir a cabeça do chefe. Inimaginável, não? Nem tanto. Afinal, isso depende do lucro gerado pelo funcionário e não mais de valores morais.
Jogadores de futebol do porte de Neymar e, para realizar a analogia proposta por este artigo, alunos da rede privada são mercadorias necessárias para a roda do sistema capitalista que estamos alimentando. Enquanto produtos, são intocáveis, pois estão dando altos lucros para seus proprietários momentâneos. A bem dessa verdade, o capital social conquistado não é o intelectual, mas apenas o do preço, o do ‘quanto custa’. No mundo capitalista onde reina essa lógica respaldada pelos meios de comunicação de massa, que premiam o comportamento desses produtos midiáticos, saem de cena os valores morais e entram os valores monetários. Fica de fora a importância e a individualidade humana para dar lugar ao acúmulo de imagens fantásticas da sociedade espetacularizada em que vivemos.
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Jornalista e mestrando em Comunicação, São Paulo, SP