Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A metáfora é o jornalismo

 

O Festival de Cinema que os grandes estúdios de Hollywood geralmente oferecem antes da cerimônia da entrega dos Oscar neste ano nos brinda com duas obras excepcionais – uma com 10 indicações, outra com 11 – inspiradas no mesmo tema.

O artista e Hugo (título americano) são metafilmes – cinema sobre o cinema. Também podem ser entendidos como metáforas sobre as demais artes. Inclusive o jornalismo. Ambos têm a ver com o impacto das novas tecnologias e, apesar da enorme diferença de formatos, estilos e relatos, fazem a mesma aposta na qualidade do conteúdo, no poder da reinvenção, na perenidade da criação artística independente das circunstâncias e das tecnologias empregadas.

O artista foi filmado em preto & branco, sem diálogos falados, apenas escritos, dentro do ritmo e paradigmas do cinema mudo, e focaliza o exato momento (fim dos anos 1920) em que a introdução dos talkies – os filmes falados – transformou radicalmente a cinematografia.

Hugo retrocede no tempo, vai à gênese do cinema, focaliza o seu criador, o mágico e ilusionista Georges Méliès, servindo-se do que há de mais moderno para contar a sua fábula sobre a máquina e o homem: cores deslumbrantes, efeitos especiais, 3D.

Há quanto tempo?

Os críticos de cinema, obviamente, examinam as obras per se, como espetáculo, sua obrigação é levar o leitor à sala de cinema e proporcionar-lhe os elementos subjetivos para tornar inesquecível a experiência. Alguns aproximam os dois filmes, a tentação é irrecusável, legítima.

Mas não é apenas o cinema que está em pauta nessas duas maravilhosas exibições da arte cinematográfica. O díptico foi montado casualmente, não houve combinação entre as produtoras, mas a aproximação é inevitável.

Também as conclusões: a indústria cinematográfica mundial – nela incluindo todos os segmentos profissionais – acredita no negócio, aposta no negócio, e mesmo como negócio consegue enxergar a sua porção de arte. O cinema vem sendo ameaçado há meio século, sobretudo pelos avanços técnicos da TV (agora perigosamente associada à internet). O que se convencionou chamar de “modelo de negócio” foi refeito meia dúzia de vezes, mas a indústria gosta do que faz. Adora filmes. E faz filmes que fazem gostar de filmes. Com qualquer tecnologia, plataforma, gênero e forma de produção.

Não é o que acontece com os comandantes atuais da indústria jornalística mundial. Na sua maioria, eles têm problemas com o jornalismo. As gerações anteriores divinizam a imprensa, fizeram dela uma entidade mítica, mas à medida que foram obrigados a fazer concessões, não a reconhecem mais, até a repudiam. Os primeiros a anunciar o fim dos jornais impressos – portanto, o fim do jornalismo como o conhecemos há 400 anos – foram os seus proprietários. E o fizeram até com uma ponta de euforia.

Há quanto tempo não aparece nos EUA ou Europa um jornal/revista primoroso, voltado para o leitor adulto? Não se sonha mais com o jornalismo perfeito, todos se satisfazem com as sobras.

O cinema é querido por aqueles que o fazem. Bem amado, nota-se. A indústria jornalística tornou-se mal-amada. E não esconde.