No Egito, os manifestantes derrubaram Hosni Mubarak depois de 30 anos no poder. As organizações dos movimentos se deram através do Twitter e do Facebook. Antes disso, na Tunísia, a população usa o Facebook e o Twitter para organizar manifestações que resultaram na destituição do presidente Ben Ali. Este episódio ficou conhecido como ‘revolução na Tunísia foi tuitada’, numa alusão ao documentário A revolução não será televisionada, que apresenta os acontecimentos do golpe contra o governo do presidente Hugo Chávez, em abril de 2002. Na Líbia, o Conselho Nacional transitório, órgão criado pelos rebeldes, abriu uma conta no Twitter para se comunicar com os meios de comunicação nacionais e estrangeiros de forma direta. Após o terremoto que vitimou mais de dez mil pessoas no Japão, o povo usa o microblog para buscar informações sobre parentes e vítimas.
Não há como negar que o Twitter se tornou o meio de comunicação mais democrático da atualidade. ‘Não podemos dizer que, no caso da Líbia, Egito e Tunísia, foram as redes sociais que revolucionaram o movimento. O movimento já existia, a insatisfação popular já existia, só que as redes sociais potencializam a forma de atuação. Então, elas permitem que mais pessoas postem mais coisas, mesmo em regimes ditatoriais cujo controle é de ordem máxima’, explica a professora Pollyana Ferrari durante a entrevista que concedeu à IHU On-Line. Ela é complementada pela professora Adriana Amaral, que diz: ‘O poder revolucionário está nas pessoas, mas as redes potencializam e redistribuem esse poder, para o bem ou para o mal. Houve uma demanda que as mídias massivas de repente não estavam conseguindo contemplar.’ Na mesma entrevista, a professora Sandra Montardo afirma que o papel do Twitter é importante porque está sendo utilizado em busca da democracia. Porém, ainda que o potencial do microblog esteja em alta, ele ainda sofre controle. O próprio Egito bloqueou o acesso ao sítio (twitter.com) quando percebeu seu potencial. ‘A internet e as plataformas que vieram com ela funcionam muito para ajudar a comunicação, a circulação de informação, mas ainda são fortemente controladas’, aponta Matheus Lock dos Santos. As quatro entrevistas foram concedidas por telefone à IHU On-Line.
Sandra Montardo é doutora em Comunicação Social pela PUCRS e professora de Ambientes Digitais na Feevale. Pollyana Ferrari é doutora em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo. É autora de A força da mídia social: interface e linguagem jornalística no ambiente digital (São Paulo: Factash, 2010). Adriana Amaral é doutora em Comunicação Social pela PUCRS e professora de Jornalismo Online na Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Matheus Lock dos Santos é mestrando em Comunicação e Informação na Universidade Federal do Rio Grande do Sul onde apresentará a pesquisa intitulada ‘Manifestações em 140 caracteres: a mobilização popular e a formação de redes sociais no Twitter para o debate e confronto político’.
Confira as entrevistas.
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‘Redes sociais facilitam a circulação de informações’
Como você avalia o uso das redes sociais em conflitos recentes, como no Egito, na Líbia e, até em desastres naturais, como no Japão?
Sandra Montardo – Parece-me fundamental o uso de tais ferramentas até para, de certa forma, determinar alguns destes acontecimentos. Por exemplo, li em uma reportagem que primeiro houve uma revolução na Tunísia e que os tunisianos avisaram via Facebook sobre os acontecimentos. Eles colocavam formas de se proteger em protestos, de escapar de bombas de gás lacrimogêneo, divulgando formas de como se organizar. Houve, então, uma troca de informações entre os tunisianos e os egípcios. Este é um belo exemplo de como a rede está sendo utilizada para a democracia.
Pollyana Ferrari – Esse é um excelente uso. Sempre falei que as redes sociais, principalmente Twitter e Facebook, tinham muita capacidade de uso político e para ajuda humanitária. A Cruz Vermelha, por exemplo, está fazendo um excelente trabalho no caso do Japão. O Greenpeace, na questão do vazamento nuclear, também está fazendo uma excelente cobertura utilizando as redes sociais. Porém, não podemos dizer que no caso da Líbia, Egito e Tunísia foram as redes sociais que revolucionaram o movimento. O movimento já existia, a insatisfação popular já existia, só que as redes sociais potencializam a forma de atuação. Então, elas permitem que mais pessoas postem mais coisas, mesmo em regimes ditatoriais cujo controle é de ordem máxima.
Adriana Amaral – As redes sociais estão mostrando que são artefatos que estão presentes cada vez mais presentes no cotidiano das pessoas. E as pessoas vão se apropriando delas conforme suas experiências culturais, suas relações.
Matheus Lock dos Santos – Vejo a utilização das redes sociais mais como uma plataforma de engajamento político que vai ajudar movimentos sociais populares, como aconteceu no Irã em 2008, como uma forma de complemento em relação à comunicação. Várias pessoas estão falando que as redes sociais estão explodindo essas formas de movimentação e protesto. Mas, na verdade, é necessário ter um ambiente social muito mais em ebulição do que uma ferramenta para fazer um movimento social.
As redes sociais são muito importantes, sim, porque facilitam muito a circulação de informações. Elas não são, todavia, o foco principal. No Iêmen, por exemplo, a população é muito pobre, praticamente não tem acesso à internet. Mesmo assim a população está se articulando de forma incrível com as condições possíveis. Acho que elas são extremamente importantes, mas não podem levar o crédito todo.
‘Formas rápidas e dinâmicas de comunicação’
Podemos dizer que as redes sociais foram a base das revoltas árabes?
S.M. – Elas tiveram um papel importante. Li outra matéria falando que um jornalista estava preso, mas ninguém sabia de seu paradeiro. Como tinha acesso ao celular, ele tuitou sobre sua condição e rapidamente as pessoas do seu país foram atrás de informações e conseguiram soltá-lo. São coisas deste tipo, ele só colocou uma hashtag ‘#arrested’, e as pessoas conseguiram se mobilizar para libertá-lo.
P.F. – Como plataforma de mídia, digo que sim; como movimento social, não, porque nem tudo ocorreu no virtual. Se formos pensar como mídia, o papel das redes sociais foi revolucionário, sem dúvida alguma.
A.A. – Diria que elas foram um facilitador desse ‘troféu’.
M.L.S. – Elas não foram a base. Os conflitos têm uma construção muito mais histórica de problemas de emprego, de dominação, de coação. Os fatores históricos são muito mais profundos que as redes sociais. Essas são plataformas que tiveram um grande êxito por serem rápidas; são formas mais dinâmicas de comunicação.
‘Redistribuem o poder, para o bem ou para o mal’
Você acredita que as redes sociais têm um poder revolucionário?
S.M. – Acredito sim. As redes, por si só, não fazem nada, mas possibilitam que as pessoas, de uma maneira mais fácil e mais rápida, consigam se conectar e se organizar mais rapidamente para alguma coisa.
P.F. – Não chamaria de poder revolucionário. A palavra é um pouco apoteótica demais. Podemos dizer o seguinte: as redes sociais potencializam qualquer manifestação e movimento, seja ajuda humanitária, movimentos políticos, causas trabalhistas. O caso dos ciclistas, em Porto Alegre, que foram atropelados é um exemplo disso. É uma evolução, não uma revolução. Se tivéssemos, em maio de 1968, o Twitter, a situação teria sido muito diferente. São movimentos sociais ancorados pelas redes sociais. Essas ferramentas dão força, capacidade de dizer para muita gente o que você quer rapidamente.
Tenho um pé atrás de dizer que foi essa plataforma que revolucionou todas as manifestações. O povo do Egito estava, por exemplo, há mais de um ano fazendo denúncias via Twitter. Este país tem muitos blogueiros; usava o Facebook com bastante propriedade. Quando resolveram ir para a rua, estavam muito organizados. A pessoa encontra no microblog um canal para viabilizar suas manifestações; não é a ferramenta que faz a revolução. Há o desejo das pessoas de contar. Um paralelo é Cuba. Com todas a efervescência e manifestações contra governos ditatoriais. por que Cuba não usa o Twitter? Há tantos blogueiros no país… Falta força popular, nesse caso.
A.A. – Prefiro acreditar que o poder revolucionário está nas pessoas, mas as redes potencializam e redistribuem esse poder, para o bem ou para o mal. Houve uma demanda que as mídias massivas de repente não estavam conseguindo contemplar. Desta forma essas ferramentas acabam sendo apropriadas de outras maneiras, como aquela de, digamos assim, dar conta dessa faceta de conflito.
‘Agregar e expandir as forças da resistência’
Pela poderosa rede social que é, o Twitter se converteu no que podemos chamar de protagonista dessas revoltas no mundo árabe, pela ascensão e queda de personagens. Cinco anos depois da ferramenta, ela continua crescendo. O que isso significa para a comunicação?
S.M. – Significa várias coisas. As pessoas têm uma forma rápida de se comunicar e fazer suas mensagens chegarem a muitas outras. Cada vez mais a ferramenta vai se adequando aos usos que são dados a ela. Por exemplo, aplicativos como o Tweetdeck possibilitam que nós possamos buscar por colunas as hashtags que nos interessa. O próprio twitter, com sua atual interface, facilita a função retweet (retuitar). No começo não existia essa função; foram os usuários que inventaram o retuite. A história trending topics foi surgindo depois que os usuários criaram e passaram a usar as hashtags. O interessante é isso: a ferramenta vai ter vida longa se conseguir ir se adaptando às necessidades dos usuários que vão se alternando no decorrer do tempo e também a partir do uso que elas fazem das próprias ferramentas.
P.F. – Acredito que, neste momento, é a principal ferramenta para esse tipo de ação. O Facebook está crescendo. Este possui o Facebook Causes para quando se quer fazer doações. Mas ainda não superou o Twitter. Por que essa ferramenta deu tão certo? Porque é muito fácil mexer nela. Não requer grandes habilidades, não requer flash, nenhuma parafernália.
M.L.S. – O Twitter veio de uma forma muito forte para agregar a questão da circulação da informação. Fica cada vez mais difícil a relação entre controle e censura. Essa relação de luta pelo poder simbólico da informação é ainda disputada por jogadores muito fortes e ainda vai continuar dessa forma. Seria uma ingenuidade de nossa parte achar que o Twitter – e ferramentas desse tipo – veio para democratizar a informação maravilhosamente bem. Tanto isso é verdade que está aí a luta fervorosa contra o WikiLeaks por parte dos Estados Unidos e da China. Controle e censura sempre vão haver. Nos EUA existem centros de informação e inteligência do governo que seguem tuiteiros que seriam ditos ‘revolucionários’. A internet e as plataformas que vieram com ela funcionam muito para ajudar a comunicação, a circulação de informação, mas ainda são fortemente controladas. Elas vieram para agregar, e espero que outras plataformas continuem sendo criadas para expandir cada vez mais as forças da resistência (Envolverde/IHU On-Line).
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Da Redação do IHU Online