Toda vez que você parar na frente da TV para assistir uma imagem que mostre o calor da violência, lembre que tem um ser humano atrás daquela lente. O cinegrafista da Bandnão morreu atingido apenas de um tiro de fuzil que atravessou seu corpo. Ele foi uma vítima, além da evidente violência, de um tipo de jornalismo que nós criamos e consumimos. Em alguma instância, sabemos dos nossos erros, mas como fazer de outra forma?
Gelson Domingos da Silvamerece todo o nosso respeito por ter se empenhado até o último momento para trazer a melhor imagem. Porém, todos nós o colocamos no lugar errado. Quem pautou aquela equipe de reportagem foi o gosto médio que nos faz esquecer que a violência é um problema amplo. A função da imprensa é cobrar soluções. Não é do meio do front de batalha que aparecerão as respostas para os conflitos entre traficantes e sociedade, ente milícia e polícia. Um profissional como Gelson poderia estar trazendo imagens para a emissora que não apenas suprissem o nosso desejo mórbido de ver a vida (dos outros) em risco, papel tal qual um filme pode cumprir. Tropa de Elite está aí para nos provocar sensações do mesmo nível, com toda a segurança e potencial crítico que a ficção proporciona.
A violência existe e eu não preciso ver ao vivo para acreditar. O problema, parte dele ao menos, é que estamos em uma guerra pela atenção do telespectador. Nosso cliente tem em mãos um controle remoto mais sensível do que o gatilho do fuzil que disparou a bala contra o cinegrafista. Ao menor sinal de afrouxamento nesta corda tensa que une nossas reportagens ao interesse do público, acende uma luz ameaçadora nas redações. Temos medo de que os nossos índices de audiência respondam negativamente caso deixemos de acompanhar o calor das balas. No fundo, sabemos que este tipo de abordagem não vai trazer discussões que realmente avancem no processo de análise das verdadeiras causas da violência.
Propor uma trégua
Porém, é tempo de admitir: entramos em um beco sem saída. Assim como o cinegrafista ficou encurralado no meio de um tiroteio, nós, jornalistas, também estamos no fogo cruzado. E o pior: nós mesmos criamos este bang-bang. Se deixarmos de dar uma imagem quente como a que Gelson queria trazer para a sua emissora, a concorrência colocaria a mesma ação no ar. É medo do outro que também está com medo da gente! Nós, profissionais da informação, nos metemos nestes vazios, perseguindo um risco que não nos cabe. Polícia tem preparo (ao menos se espera que tenha) para enfrentar o crime. A nós, jornalistas, cabe a análise, o debate, o questionamento. Jogar uma equipe entre fuzis é desperdiçar uma força de trabalho que poderia ser mais bem usada em outras abordagens. Uma troca de tiros não deveria servir de espetáculo.
Ao olhar este beco sem saída em que nós da imprensa estamos, fico aqui pensando quem será o capitão Nascimento que vai nos resgatar desta troca de tiros que provocamos? Seria possível uma trégua entre os próprios veículos? Estamos dedicando tempo, talento, dinheiro e outros recursos para alimentar um tipo de jornalismo que valoriza mais o risco do profissional do que a reflexão provocada. Talvez o nosso herói, quem vai nos salvar deste fogo cruzado da concorrência, seja justamente o controle remoto. Fico aqui torcendo para que o telespectador, cada vez mais atento ao que deve de fato ser colocado em pauta, sinalize trocando de canal quando o sensacionalismo balear a reflexão.
Por outro lado, é hora também de nós, profissionais das câmeras, assumirmos nosso papel verdadeiro e propormos uma trégua. Ou até mesmo arriscar perder batalhas, abrindo mão de alguns pontinhos no Ibope com este tipo de espetáculo da violência. Com a bandeira branca levantada, talvez possamos retomar o propósito que nos faz empunhar microfones, gravadores e blocos de anotações. Praticar jornalismo à moda Tropa de Elite, com balas de verdade tirando vidas, não é o caminho mais inteligente.
Em tempo: Paulo Henrique Amorim também se posicionousobre o assunto no seu blog. O site Observatório da Imprensa repercutiu a opinião do Eduardo Maretti.
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A guerra da audiência – Mauro Malin
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[Luiz Andrioli é escritor, jornalista e editor-chefe de conteúdo na RICTV Record]