Num mundo em que as máquinas fazem uma série de atividades antes exclusivas dos homens, não é de se surpreender que elas também precisem de uma linguagem para se comunicar. As ‘línguas’ dos eletrônicos nasceram com eles e são extremamente diversificadas. Idiomas artificiais – que existem nos celulares, em tablets e até mesmo no controle que abre o portão da sua garagem – também são influenciados pela cultura, a dos programadores. Gente que, tal qual ocorre em escala global, tenta sobrepor seu conhecimento sobre o dos demais.
Nessa ‘briga’, uma das coisas mais determinantes para a hegemonia de determinada língua é sua aplicação. A fala das máquinas funciona mais ou menos como a dos humanos: tem uma sintaxe (que orienta a formação de frases), uma semântica (que dá o sentido) e uma pragmática (que define o uso do produto). Uma boa forma de entender isso é pensar nas linguagens de programação como se elas fossem carros. ‘Qual é a diferença entre uma Ferrari e um Rolls Royce? Você usa a Ferrari para correr, mas nela só cabem duas pessoas e, se você acelerar demais, pode se dar mal. Já o Rolls Royce é um carro de luxo, silencioso, você não sai por aí acelerando loucamente’, compara o professor Jorge Henrique Fernandes, do Departamento de Ciência da Computação da Universidade de Brasília (UnB).
Inpe lança mão de Fortran
Além disso, há idiomas específicos para cada função da máquina. Linguagens computáveis são as que dizem para o computador o que ele precisa fazer na hora do processamento. ‘Essas são utilizadas na implementação de algoritmos, uma sequência de orientações que determina todos os passos do programa, como um jogo’, explica o professor Fernandes. Nesse grupo, está a primeira linguagem de programação, Plankalkül, concebida na década de 1940 e implementada apenas em 2000, cinco anos depois da morte de seu criador, o alemão Konrad Zuse.
Essas linhas de código – e outras tantas que surgiram ao longo do século passado – começaram a ganhar importância na década de 1970, com a invenção dos primeiros computadores para empresas. Nessa época, nasceu o Cobol (Common Business Oriented Language, na sigla em inglês). ‘Cobol é uma linguagem muito segura, define bem os espaços, a formatação de relatórios. Não é à toa que ela continua sendo a melhor opção para sistemas de empresas, principalmente de bancos’, observa o professor da UnB. Isso porque seu caráter restritivo acaba dificultando a ação de hackers.
Cobol, no entanto, é uma linguagem difícil de aprender e, diz Fernandes, há cada vez menos programadores especializados nela. A analista de sistemas Flávia Gomide, 38 anos, está nesse grupo. Flávia conheceu o idioma quando foi trabalhar no Banco Central, ainda na década de 1990, e afirma que não há melhor alternativa para a programação de sistemas bancários. ‘Cobol proporciona uma série de controles sobre o que você está fazendo e, por isso, é excelente para situações em que há grande volume de informação’, diz Flávia.
Outra linguagem surgida na década de 1970 e que ainda está na ‘boca dos computadores’ é Fortran, voltada para processamento de dados científicos. Ela é utilizada por físicos, engenheiros, astrônomos e outros profissionais que precisam fazer cálculos. O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), por exemplo, lança mão de Fortran em várias das suas máquinas.
Uma piada na área de computação
Nem todas as linguagens, porém, têm ‘durabilidade’ tão extensa. Algumas foram verdadeiros fenômenos durante um período e, mais tarde acabaram sendo superadas por outras. O Basic (Beginner´s All-purpose Symbolic Instruction Code, na sigla em inglês), por exemplo, foi criado na década de 1960 por professores de ciência da computação como forma de ensinar aos estudantes os princípios básicos da programação. Durante os anos 1980, a Microsoft popularizou a linguagem. ‘Bil Gates colocou o Basic dentro do sistema operacional DOS e, mais tarde, surgiu o Visual Basic, que era voltado para uma interface mais gráfica’, conta o professor da UnB Jorge Henrique Fernandes.
Com o tempo, o Basic foi sendo deixado de lado, embora ainda haja nostálgicos programadores que o utilizam. ‘É mais ou menos como dar a volta ao mundo em cima de um Fusca. É possível, mas bem complicado’, brinca Fernandes.
Outra possibilidade é o desenvolvimento das chamadas linguagens de domínio, os frameworks. Grosso modo, os programadores utilizam um idioma de uso geral e fazem uma espécie de enquadramento, restringindo a ação do programa com fins específicos. ‘É como se fosse o manual de redação da Presidência da República. Os redatores lançam mão do português do Brasil, mas o fazem conforme aquelas normas, que dão a cara de documento oficial’, exemplifica Jorge Fernandes. Além dos frameworks, os programadores também podem criar linguagens exclusivamente para comprovar teorias – muitas dessas acabam se tornando dialetos esquecidos. ‘Há, inclusive, uma piada na área de computação. De que tratarão as mil próximas teses de doutorado? Sobre as mil próximas linguagens de programação’, brinca Fernandes.
Ciência poliglota
Conheça algumas linguagens de programação:
** Cobol – Criada pela IBM na década de 1970, é ainda hoje a melhor linguagem para empresas, principalmente bancos. Usá-la é bastante trabalhoso, mas na hora da execução da tarefa, ela é uma das mais rápidas.
** Fortran – Tornou-se popular na mesma época que o Cobol. O Fortran ainda está presente em grandes centros de pesquisa, pois é o melhor na realização de prognósticos matemáticos, simulações atmosféricas, simulações de explosões.
** C – É considerado um sucessor do Fortran. Permite, basicamente, a programação de sistemas operacionais. Foi utilizado pela primeira vez no desenvolvimento do Unix, o precursor do Linux. Sua evolução é o C.
** Basic – Linguagem de aprendizado que foi popularizada por Bill Gates. O programador iniciante consegue trabalhar com ela após duas semanas de aulas. Por ser muito simples, a criação de códigos também é trabalhosa.
** Java – Foi criada pela empresa Sun Microsystems e era uma linguagem proprietária até 2005. De lá para cá, tornou-se mais popular e é bastante utilizada para programação de páginas web.
** ADA – Desenvolvida sob encomenda do governo dos Estados Unidos, ADA unificou os sistemas da Secretaria de Defesa do país (Exército, Aeronáutica, Marinha).
Outros idiomas
As linguagens artificiais vão além da programação propriamente dita, responsável pela computação dos dados. Além delas, há linguagens de representação da informação e de diálogo. O idioma HTML, por exemplo, é uma linguagem de representação de páginas na web, assim como o XML e outras tantas existentes.
Nas linguagens de diálogo, a meta é conectar máquinas. Uma das mais famosas é o HTTP. ‘Quando você digita http:// e o endereço de uma página, está dizendo ao seu computador que quer acessar aquele site’, detalha o professor Jorge Fernandes, da UnB. O mesmo ocorre se o usuário digitar ftp:// e processo semelhante ocorre na troca de e-mails, quando os computadores adotam o protocolo TCP/IP.
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Jornalista