Na semana passada, o Facebook anunciou uma série de mudanças na maneira como funciona e em sua aparência. O noticiário das próximas semanas é previsível. Usuários vão reclamar, acusações de quebra de privacidade circularão, uns tantos vão deixar o sistema em protesto. E aí tudo voltará a ser como dantes. Não é que os infelizes não tivessem suas razões. Tinham. Mas já aconteceu e essas coisas se repetem. Enquanto isso, mais um passo foi dado para a criação de uma internet paralela.
Pois existem duas maneiras de enxergar o que Mark Zuckerberg, fundador do Facebook, está fazendo. A primeira é justamente a de uma internet paralela. Ela é organizada, bem acabada e absolutamente fechada. Já tem mais de 700 milhões de usuários. A segunda é a de que ele está construindo sobre a internet livre que todos usamos uma nova camada. Esta camada melhora a rede, facilita nossa vida e nos transforma a todos em dependentes do Facebook.
O Google já é assim. Dependemos dele. A rede é inimaginável sem o Google. Ser o segundo a conquistar tal status não é trivial. O Facebook está quase lá.
Dois exemplos
Para chegar lá, porém, algumas mudanças se fizeram necessárias. A primeira é mudar a alma por trás do botão “curtir”. Espalhado por toda a rede, presente em quase todo site, serve para que o usuário recomende em sua página de perfil no Facebook uma foto, um artigo. O “curtir” mudará. Quem faz programinhas para o Facebook poderá usar qualquer verbo. Um site de fotos poderá ter o selo “eu vi uma foto”, o jornal seu “li este artigo”.
A mudança parece sutil, porém, ao implantar linguagem natural, algo de fundamental muda. No seu Facebook, tudo aparecerá como uma lista de atividades lógica e humana. Agradável.
É uma mudança fundamental porque também a home pessoal no Facebook mudará. Vira uma linha do tempo, com a lista de todas as atividades recentes até os muitos anos passados. Tudo o que você comentou, aquilo que leu na internet, as fotos das quais gostou e as que publicou. As amizades que fez. De repente, a home no Facebook deixa de ser um retrato da atividade recente e vira história de vida. Um histórico de quem somos mas também de quem fomos. Quase um ensaio de biografia, com o registro não apenas daquilo que fizemos dentro do Facebook mas também do que pinçamos no resto da rede.
O Facebook cria uma camada social na internet toda. Contamos nossa história através da rede e a apresentamos para os amigos que fizemos nela. No mesmo compasso, o sistema traz para dentro de si informação. O britânico The Guardian e o New York Times são apenas dois exemplos de sites que toparam construir uma versão de seus sites dentro do Facebook.
Algo em troca
Conforme a lista de parceiros se amplia, o que era um site, uma rede social, passa a ser um universo paralelo dentro da rede. Tudo terá a cara do Facebook, limpo e organizado e fechado, protegido daquele mundo caótico lá fora.
Ao passo que cria uma camada na internet maior, busca replicar uma versão selecionada dela lá dentro.
O Facebook é a internet que o Google não vê. Totalmente fechado, não é indexado pelo site de busca. Juntos, e rivais, transformam-se nos nomes mais poderosos da rede. O que está em jogo é dinheiro. Conforme usamos sua busca e muitos serviços, o Google acompanha nossos passos pela web e transforma nossos padrões de comportamento em propaganda. O Facebook criou um sistema que tem o potencial de replicar o poder do Google e ir além. Porque, lá dentro, ele não sabe apenas parte do que fazemos online. Sabe tudo.
Quando usamos porque é útil e lúdico, damos algo em troca: nossas identidades. Elas viram dinheiro fácil, seja para um, seja para o outro.
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[Pedro Doria é colunista de O Globo]