Nos Estados Unidos, Espanha e Inglaterra, a justiça já está sendo acionada com freqüência para combater os trolls – comentários agressivos e provocadores – postados em blogs e sites. Ou seja, a moderação não basta como ferramenta de controle: o poder judiciário já está intervindo. Sobre isso, o jornalista Carlos Castilho escreveu um artigo, publicado no Observatório da Imprensa.
Foi com o aval da Justiça que os governantes do AI-5 censuravam jornais, apresentações teatrais e discos. Agora, não precisam fundamentalmente dela. Os próprios empresários da mídia fazem esse papel de controladores políticos e ideológicos. E não moderam apenas os comentários ofensivos, mas aqueles que dizem algo que vai de encontro às idéias dos patrocinadores e anunciantes e dos próprios donos dos veículos.
O pior é que a censura está chegando à blogosfera, um espaço que considerávamos, até então, muito mais livre que qualquer outro veículo midiático. Em 19 de abril, meu pai – o jornalista José de Souza Castro, que colabora aqui no Tamos com Raiva – fez o seguinte comentário no blog do Noblat:
‘Parabéns ao Globo. Finalmente, ele resolveu pegar pesado contra os bicheiros. Lá pelos idos de 1993, eu estava na sucursal mineira e mandei ao Rio reportagem de uma página sobre o ingresso dos bicheiros cariocas no Sul de Minas. Em São Lourenço, o candidato a prefeito que mais gastava na campanha era neto de um bicheiro famoso na década de 50, o Tenório Cavalcanti, o Homem da Capa Preta. Minha reportagem chegou a ser anunciada na noite de sábado, na TV Globo, no ‘leia amanhã no Globo’, mas foi substituída às pressas por um calhau de uma página. Acho, mas não tenho provas, que Roberto Marinho soube da matéria por aquele anúncio e mandou tirar, cumprindo assim a profecia de Tenorinho, o candidato.’
‘Lei fere a lógica de Deus’
Não teve nada de ofensivo, mentiroso ou outro adjetivo do tipo que desqualificasse sua publicação. Mas fez uma crítica ao grupo de Roberto Marinho, que, por sinal, paga o salário de Ricardo Noblat. E foi censurado; não chegou nem a ser publicado.
Muito pior foi a censura que ele sofreu esta semana no portal Comunique-se. Pior porque considero que um site voltado para jornalistas, que se propõe a avaliar criticamente a mídia e, inclusive, combater a censura, não pode ir excluindo comentários sem explicação. No último dia 26, meu pai comentou o artigo de Moacir Japiassu sobre o fato de as mulheres enviarem calcinhas para as embaixadas de Mianmar como protesto contra a repressão no país:
‘Como protesto, mulheres enviam calcinhas a Embaixadas de Mianmar. Se a moda pega, tem um juiz em Sete Lagoas (MG), que vai poder montar uma loja de calcinhas. Em suas sentenças, que contrariam a Lei Maria da Penha, ele diz barbaridades tais: ‘A desgraça humana começou no Éden: por causa da mulher, todos nós sabemos, mas também em virtude da ingenuidade, da tolice e da fragilidade emocional do homem’; ‘O mundo é masculino! A idéia que temos de Deus é masculina! Jesus foi homem!’; ‘A vingar esse conjunto de regras diabólicas, a família estará em perigo, como inclusive já está: desfacelada, os filhos sem regras, porque sem pais; o homem subjugado’; e ‘Esta Lei Maria da Penha – como posta ou editada – é, portanto, de uma heresia manifesta. Herética porque é antiética; herética porque fere a lógica de Deus; herética porque é inconstitucional e por tudo isso flagrantemente inconstitucional e por tudo isso flagrantemente injusta’.’
‘Melodrama mexicano
Três dias depois, o Comunique-se retirou o comentário do ar e colocou em seu lugar o seguinte aviso:
‘José de Souza Castro (Free-lancer) 26/10/2007, 11h10
Este comentário contem conteúdo ofensivo e/ou desrespeitou a política de uso da comunidade‘
Ao perceber a censura, meu pai resolveu publicar novamente tudo o que tinha escrito (ele salva os comentários no Word), acho que para tentar atiçar a indignação dos colegas que comentam no mesmo espaço. O pior é que não conseguiu. Embora os jornalistas José Truda Júnior, Jonas S. Marcondes e Talis Andrade viessem a público dizer, a seu modo, que era um absurdo aquela censura, houve quem dissesse que ‘São as regras do jogo. Participa quem quer’. Eu havia feito o seguinte comentário, incitando a manifestação do Comunique-se (que, obviamente, nunca aconteceu):
‘Cristina Castro (29/10/2007 – 18h45)
É absolutamente revoltante que um portal de comunicadores que pretende avaliar criticamente a mídia e os assuntos de interesse dos jornalistas se preste a esse tipo de coisa.
Censurar um comentário que nada tinha de ofensivo ou mentiroso. E, com cara de pau, deixar uma mensagem dizendo que ‘Este comentário contem conteúdo ofensivo e/ou desrespeitou a política de uso da comunidade’.
Eu gostaria de saber que espécie de política é essa. Gostaria que alguém do Comunique-se enviasse um e-mail ao jornalista José de Castro, ou se manifestasse aqui, oferecendo uma boa explicação a essa restrição tão arbitrária. Ou este portal corre sério risco de perder o que há de mais valioso para os jornalistas que daqui participam: a credibilidade.’
Mas, em resposta, o jornalista Fábio José de Mello, o mesmo que defendeu ‘as regras do jogo’, disse que ‘esse papo furado de censura’ era ‘melodrama mexicano’. E veio adiante com o conceito do Houaiss para a palavra, tentar desmentir a censura que o Comunique-se fez:
‘É preciso explicar o que significa censura.
Segundo o Houaiss:
Acepções
■ substantivo feminino
1 ação ou efeito de censurar
2 exame a que são submetidos trabalhos de cunho artístico ou informativo, ger. com base em critérios de caráter moral ou político, para decidir sobre a conveniência de serem ou não liberados para apresentação ou exibição ao público em geral
3 Derivação: por metonímia.
restrição à publicitação de informações, pontos de vista ou produções artísticas, com base nesse exame.
Como houve ‘censura’, se o comentário foi publicado e republicado? Não teria havido um engano por parte do C-se – que é o único ‘idiota’ que pode retirar os comentários?
Melodramático. Porque não houve censura.’
Ele mesmo se contradiz claramente. Porque se o Houaiss diz que, com base em critérios de caráter moral ou político, a censura decide sobre a conveniência ou não de liberar um texto para publicação, houve, sim, censura. O comentário de José de Castro foi publicado em 26/10, mas logo em seguida o portal definiu que não era ‘conveniente’ continuar a exibi-lo ‘para o público em geral’. Felizmente o site soube preservar o bom senso ao não censurar de novo três dias depois, quando meu pai resolveu fazer sua provocação.
No mesmo dia em que meu pai foi censurado, doze comentários feitos pelo jornalista Juarez Alves Porto tiveram o mesmo destino. Curiosamente, os comentários mais críticos às posições desse Fábio Mello – um ex-funcionário do Comunique-se e uma pessoa ainda influente naquele portal.
Mas é muito triste ver que os próprios jornalistas já se acostumaram ao fato de serem censurados. Esse comodismo explica, em grande parte, porque Aécio Neves consegue manter o controle da mídia em Minas Gerais há tanto tempo. Não conseguiria se os próprios jornalistas (principalmente os que detêm algum cargo de chefia) não fossem coniventes com esta política. E não é preciso ir mais longe para ilustrar o tanto que a censura pode ser maléfica para toda a sociedade. Aécio não tem oposição. Os problemas de seu governo parecem não dizer respeito ao papel tradicional da imprensa – o de acompanhar criticamente os três poderes – e, conseqüentemente, não chegam até a sociedade. E é esse o cara que vai chegar à Presidência da República em 2010 ou 2014, se conseguir também controlar os blogs.
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Jornalista (www.tamoscom
raiva.blogger.com.br),
Belo Horizonte, MG