No dia 2 de julho de 2008, assistimos, extasiados, ao final de um dos mais longos seqüestros da história da América do Sul e da Colômbia.
A franco-colombiana Ingrid Betancourt, ativista e ex-candidata à Presidência da Colômbia, que esteve seqüestrada durante seis anos, perdida na selva colombiana, foi resgatada pelo exército com o auxílio de observadores norte-americanos.
É impressionante, para quem está de fora do fato, que uma mulher dita frágil, que segundo organismos internacionais de direitos humanos estava muito doente, vivia precariamente, perambulando com grupos das Farc pelas selvas colombianas, tendo sido, obviamente, tratada como mais uma entre a centena de pessoas seqüestradas pela guerrilha, apresentasse tanta disposição e boa aparência. Imaginava-se ela triste, abatida, catatônica.
Foram seis anos de privações, separação da família, da sociedade, do seu mundo, passando todos os tipos de necessidades, embrenhada na selva, vivendo como viviam os terroristas das Farc, uma vida para-militarizada, sofrendo torturas e humilhações – chegou até a pensar em suicídio. É muito para uma mulher, muito mesmo. Muitos ‘homens’ não teriam sobrevivido.
‘Entrega’ de bandeja
Ingrid Betancourt, no entanto, emergiu da obscura selva colombiana e da obscuridade política e social a que foi submetida durante seis anos lépida, faceira, falante, bonita e cheia de idéias para um mundo que foi obrigada a abandonar há muito tempo e que, teoricamente, não deveria saber em que pé andava.
Em seis anos, o mundo mudou muito. Ingrid, porém, parece ignorar isso. Saiu da selva como se tivesse entrado nela ontem para um piquenique. Imagina-se que ela deveria estar confusa e abatida, com vontade somente de reencontrar parentes e desaparecer para descansar e se recuperar, usando os meios disponíveis para se pôr a par do mundo atual, desconhecido para ela – pelo menos é o que se imaginava de alguém que esteve seqüestrada e em cativeiro no meio da selva amazônica durante seis longos anos.
O ‘resgate’ de Ingrid definitivamente, não teve a aparência de um ‘resgate’. Parecia mais um helicóptero dos bombeiros buscando um grupo de jovens que tinha se perdido depois de um passeio na mata.
As Farc, depois de 40 anos combatendo nas selvas, estão mesmo se deteriorando, perderam dois grandes líderes em pouco tempo e ‘entregaram’ de bandeja e ingenuamente uma refém importante como Ingrid Betancourt.
Mal cheiroso
Se tiver sido um resgate ou uma entrega, pouco importa. O que importa é que é difícil acreditar que as Farc tenham caído numa armadilha tão infantil como mascarar um helicóptero como se fosse de uma ONG e se deixarem ser surpreendidos deixando escapar sua mais importante vítima.
Ingrid Bettancourt está de volta, repito: bonita, faceira e ativa, mais do que nunca, já viajou para a França, participou de manifestações e em breve estará de volta a América do Sul para se integrar novamente à vida política colombiana. Apóia um terceiro mandato para Álvaro Uribe porque, certamente, o próximo será o dela. Diz que Hugo Chávez é importante para a América do Sul e cogita em perdão e reconciliação do governo com as Farc.
O que não cheira bem nesse negócio é sair da selva dizendo que apóia terceiro mandato e que Hugo Chávez é importante para o processo na América do Sul. Mais mal cheiroso ainda o comportamento do governo brasileiro em relação à libertação, fazendo de contas que não está nem aí.
‘Jogadas’ da política
Lula está torcendo para que aconteça o terceiro mandato de Álvaro Uribe, pois isso daria suporte internacional para que ele também reivindique para si um terceiro mandato por ser moda internacional, principalmente com uma personalidade de apoio como Ingrid Betancourt.
Essas conclusões foram tiradas vendo as reportagens do resgate de Ingrid. Não comentei com ninguém, nem tinha ainda escrito algo porque imaginava a idéia de que não tivesse ocorrido ‘resgate’ nenhum, que fora tudo uma encenação, com a cumplicidade das pessoas certas, completamente absurda. A idéia era tão estapafúrdia que fiquei com ela para mim, mas, hoje, lendo no Observatório da Imprensa uma matéria de Alberto Dines: Lenin, acorde, eles ficaram loucos, vi que não é tão absurda e resolvi escrever.
Ou Ingrid Betancourt é a ‘mulher maravilha’ ou ela não estava tão ‘seqüestrada’ assim.
Jogadas, a política é feita de ‘jogadas’.
******
Autônomo, Rio Branco, AC