Uma proporção considerável entre os observadores que comentaram o artigo, publicado na semana passada, sobre a proliferação dos googlectuais e wikieruditos na internet, fez reparos ao estilo deste palpiteiro da imprensa. Alguns imputaram ao autor destas linhas alguma resistência às mudanças impostas pela tecnologia ao universo das comunicações. Outros simplesmente o acusaram de ser obscuro demais, e até arrogante.
Se um texto provoca algum mal-entendido, a culpa é sempre do autor. Como diria Renan Calheiros, pequei, sim, mas por uma boa razão. No caso do senador caído em desgraça, basta folhear a última edição da revista Playboy para reconhecer suas razões. No caso deste observador, foi o excesso de cautela ao transitar pelo terreno minado das opiniões políticas, que anda sendo pisoteado irresponsavelmente por destacados protagonistas da chamada nova mídia.
Primeiro, não é este articulista um saudosista da máquina de datilografia ou do teletipo. Pelo contrário, trata-se de um dinossauro da internet, um entusiasta da rede mundial que ingressou nesse universo ainda no tempo dos BBS – para quem não lembra ou não chegou a conhecer, grosso modo uma tela preta com letras brancas na qual se podia trocar mensagens. Isso antes do Mosaic, o primeiro browser a desenhar a internet mais ou menos como a conhecemos.
Questão de estilo
Afastada a hipótese da ojeriza tecnofóbica, resta o estilo. Foi de fato uma escolha equivocada, pelo rebuscado que resultou o texto, por causa da excessiva cautela em criticar uma prática generalizada sem nominar os bovinos. O artigo resultou pedante, o que deveria sinalizar uma certa ironia sobre o tema. Infeliz o autor, que não se fez compreender pela maioria dos que tiveram paciência de baixar a barra de navegação até o pé do texto.
Com relação ao conteúdo, porém, que é o que nos move, é preciso esclarecer alguns pontos. Primeiro, a tentativa de alguns autores de parecer sábios onde lhes falta conhecimento é vício antigo, e não faltam parábolas e contos em toda a literatura universal sobre esse comportamento. O que tentou destacar o observador é como, no ambiente hipermediado em que vivemos, e num cenário de discursos radicais, os recursos de busca rápida de significados e citações dão a esse tipo de personagem uma ascendência imerecida e uma repercussão desproporcional ao conteúdo que realmente aportam aos debates.
Perversão dupla
A incitação ao discurso radical, seja de que lado for da moeda ideológica, exacerba os espíritos e reduz as chances de se encontrar um valor na diversidade. Quando essa ação perversa se localiza em blogs e artigos hospedados nos sites de empresas jornalísticas, essas diatribes ganham com aval da imprensa, o que é duplamente perverso. Seria demais pedir que indivíduos intelectualmente desonestos ingressassem nos debates públicos munidos de boas regras, evitando a exposição da intimidade de seus oponentes ou negando-se a inserir em seus comentários aspectos da vida pessoal que não contribuem para a avaliação da opiniões expostas.
Mas não é assim que têm se comportado os googlectuais e os wikieruditos: eles postam seus textos em blogs e sites, e respondem aos divergentes com pauladas recheadas de citações que, pela ligeireza, só podem ter sido catadas no Google ou na Wikipédia – ou em fontes equivalentes. Com isso, não se produzem debates proveitosos, mas verdadeiros tiroteios de saloon. A internet tem espaço para todos, eruditos, intelectuais, e meros curiosos, como este observador.
Se a mídia tem interesse em atrair leitores pela qualidade dos debates que suscita, se é verdade que ganha no longo prazo com a formação de um público qualificado, está agindo contra seus propósitos ao abrigar sob seus guarda-chuvas essa espécie de provocador que não demonstra possuir compromissos com a verdade.
******
Jornalista