‘Interessante como a leitura amena de um fim de semana pode vir carregada de augúrios. Nesta era da busca da ‘tendência’ e da ‘controvérsia’ instantâneas, muitas vezes deixamos escapar os verdadeiros sinais de mudanças substanciais, só porque eles não aparecem portando as embalagens esperadas.
O primeiro sinal que me chamou a atenção foram duas matérias – uma na IstoÉ, a outra em O Globo – reportando a pesquisa Perfil da Juventude do Instituto da Cidadania. Mesmo dando-se o devido desconto de uma saudável dose de desconfiança nesse tipo de pesquisa por amostragem, os resultados deveriam estar dando o que pensar a todo mundo que lida com mídia cultural ou com produção e distribuição de bens culturais.
Temos ali o retrato de uma das faixas mais atuantes na produção e no consumo de tais bens – 15 a 24 anos, 20.1% da população do Brasil – em estado de quase total marcha à ré. Não apenas ‘careta’, como diz a chamada de capa da IstoÉ, mas conservadora em todos os sentidos da palavra – aferrada à manutenção de um status quo que não conheceu mas que imagina como sendo ideal, e que, se concretizado, representaria a volta ao Brasil de trinta anos atrás, ou aos Estados Unidos do pós guerra.
Como bem lembra a matéria de O Globo, deve-se ler este enorme passo atrás no contexto de muitos anos de crise política sobre crise política, desilusão sobre desilusão, corrupção generalizada, instituições ineficientes, desemprego e estagnação econômica. Num quadro desses, não seria de fato pedir demais que a juventude sonhasse o futuro e não o passado?
Algumas observações paralelas que me ocorrem:
– Um tamanho passo atrás da maioria não poderá gerar um igual passo à frente da minoria, dentro da mesma faixa etária? É o que atesta o ritmo das marés da história e da vida.
– O extremo conservadorismo (defensivo?) desta camada da juventude brasileira ecoa os Estados Unidos de três anos atrás, imediatamente pós-11 de setembro – que por sua vez tinha suas raízes na era republicana de Reagan-Bush pai, que por sua vez era uma reação à ‘loucura’ dos anos 70. Na América do Norte o pêndulo, afinal, começa agora a oscilar para o outro lado , enquanto, aqui no Sul, nos encaminhamos para uma jovem direita religioso-sertaneja como a que faz o deleite de (e dá suporte a) Bush Jr. e Dick Cheney. É uma curiosa e significativa falta de sincronicidade, um movimento em direções opostas que pode indicar maiores descompassos adiante, e quem sabe, um peculiar isolamento cultural em plena era da globalização. Aliás, sobre o contexto social do primeiro momento de glória da direita-religioso-sertaneja nos EUA, não percam a magnífica minissérie Anjos na América, da HBO.
– O que as outras faixas da juventude pensam? Faixas que também, tradicionalmente, impulsionam para frente, inspiram, produzem e consomem cultura: 25-34, 35-44? Estariam todas em idêntica marcha à ré?
Duas outras matérias aparentemente ‘fofas’ revelaram mais sinais importantes de movimento nas placas tectônicas da produção e consumo de cultura: uma, do New York Times publicada no Segundo Caderno de O Globo mostrava como, nos Estados Unidos (com reflexos no Brasil) ‘ver cinema’ não quer dizer, necessariamente, ir ao cinema. Outra, capa da Entertainment Weekly, contava como Prince deu a volta por cima numa era que não compra mais discos.
Falo disso semana que vem.’
JORNAL DA IMPRENÇA
‘Bolas trocadas’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 6/05/04
‘Diretor de nossa sucursal no Planalto, de onde foi possível ver (de binóculo) a oposição comemorando a reabertura dos bingos, Roldão Simas Filho cumpria aquele prazer solitário que é ler a Tribuna da Imprensa, edição de 1º de maio, quando bateu os olhos em artigo assinado por João Henrique dos Santos, diretor nacional da Força Sindical e presidente do Sindicato dos Plásticos de Jundiaí. No texto, João Henrique faz um breve histórico dessa data e diz que os oito condenados no processo de Chicago de 1886 foram, ‘por pressão internacional, anistiados das penas recebidas.’
‘Isso não é exato!’, protesta Roldão; ‘dos cinco condenados à morte, Luis Lingg se suicidou com um cigarro de fulminato de mercúrio, um dia antes da data da execução. August Vicente Teodoro Spies, Adolph Fischer, George Engel e Albert S. Parsons, cantando a Marselhesa, foram enforcados no próprio cárcere às 11h50 do dia 11 de novembro de 1887. Se houve perdão, chegou tarde para esses.’
Na modesta opinião de Janistraquis, das duas, uma: ou João Henrique confundiu a data ou trocou as bolas; ou melhor, as balas…
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Flamengo X Vasco
Ameaçados pela Segundona, Vasco e Flamengo resolveram se unir fora de campo; deixaram esse negócio de futebol pra lá e resolveram trabalhar pela Democracia, pois esta, ninguém discute, é mais importante que bola a rolar. Assim, a partir de 13 de maio, rubronegros, representados por Maurício Azedo, uma das mais belas figuras do jornalismo brasileiro, e Mílton Temer, no papel de vascaíno ‘invocado’, assumem o Poder na ABI.
Azedo foi eleito presidente e Mílton é seu vice. Janistraquis leu a notícia da eleição da dupla aqui mesmo no Comunique-se e fez este comentário: ‘É, considerado, a gente não dá mesmo uma dentro; como nos últimos campeonatos cariocas, o Flamengo leva a taça e o Vascão amarga o segundo lugar…’
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Desmunhecou
Deu na seção Veja Essa, da indispensável:
‘Beckham é um David fisiologicamente tão perfeito quanto o de Michelangelo.’
Do correspondente do jornal britânico The Guardian, perdendo a objetividade ao comentar a exibição numa galeria londrina do vídeo David, em que o craque do Real Madrid é mostrado enquanto dorme.
Janistraquis, que prefere Kaká, leu e comentou: ‘Considerado, o correspondente de The Guardian não ‘perdeu a objetividade’, como diz a revista; deu, isso sim, um show de veadagem…’
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Opinião de Llosa
A coluna recomenda a leitura da matéria que Wladir Dupont escreveu sobre Mario Vargas Llosa para a revista Srs&Sras, reproduzida no Observatório da Imprensa. Clique aqui e conheça as opiniões do jornalista, escritor e político a respeito do governo Lula.
Llosa ainda conversou com Wladir, seu tradutor no Brasil, sobre literatura, é claro, e também denunciou os fracassos políticos e econômicos da América Latina; detestado pelas esquerdas (sentimento recíproco), ele criticou o MST (‘esses caras são uns loucos!’) e os movimentos indigenistas como o do subcomandante Marcos em Chiapas, no México, e o de Evo Morales, na Bolívia:
‘Esses movimentos querem é chegar ao poder, por meio de uma demagogia que já fez muitos estragos na humanidade. Declarar guerra aos brancos não vai resolver o problema da injustiça. Vai é nos precipitar em guerras intestinas e nos empobrecer ainda mais.’
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Mestre Lamounier
O cientista político e professor Bolívar Lamounier, nosso amigo de juventude em Minas, lançou em São Paulo e Belo Horizonte seu livro Conversa em Família, que Janistraquis e eu tivemos o privilégio de ler no ‘copião’, como se diz. Trata-se de obra soberba, a respeito da qual escreveu Roberto Pompeu de Toledo na Veja da semana passada:
Bolívar não produziu uma história de família que tangencialmente aborda a história do mundo e do Brasil, mas, ao contrário, um ensaio sobre certos temas históricos que, tangencialmente, toca na história de sua família. Este é um paradoxal livro em que o autor se volta para as próprias origens mas só fala de si mesmo na última página (…)
Ao investigar-se, o autor não se debruçou sobre a própria trajetória, nem mesmo, a rigor, sobre a dos antepassados, mas sobre a trajetória do mundo. É na história, na grande história, que, tendo por estrela-guia seu nome de família, procura enquadrar-se(…) Vale dizer que é nas vizinhanças da sociologia e da ciência política que se move.
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Os professores
Costumamos nos referir à ‘arrogância’ dos jornalistas brasileiros, esquecendo-nos de que somos alunos dos americanos, no lead e na presunção.
Releiam o texto de Howell Raines, o editor-executivo demitido recentemente do New York Times, transcrito na matéria de nossa considerada Marinilda Carvalho no Observatório da Imprensa:
Algumas editorias ensinam explicitamente aos repórteres impressionáveis a esnobar o furo de reportagem, abrigadas na decadente máxima do Times de que ‘nada é notícia enquanto nós não dissermos que é notícia’. Por conta disso, o Times não vê problema algum em ficar atrás em grandes assuntos, porque ‘quando entramos no assunto nós damos melhor’.
Clique aqui para ler a íntegra da matéria.
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Nuvens negras
Nosso considerado José Wellington R. do Nascimento folheava o jornal baiano A Tarde e quase ‘caiu das nuvens’, como se dizia antigamente, ao ler matéria sobre as comemorações do Dia do Índio (brasileiro), sob o título Índios de olho na internet.
Mais perplexo do que o general Custer no meio do ataque em Little Big Horn, Wellington resfolegou:
O repórter que perpetrou a pérola começou o texto assim: ‘Dos sinais de fumaça à internet foi uma (sic) longo percurso’. Ele só esqueceu de informar quando foi que o grande chefe Touro Sentado saiu das pradarias do Velho Oeste e veio para as florestas subtropicais do Brasil ensinar aos sílvicolas esse meio de comunicação típico dos peles-vermelhas.
Janistraquis acha que tudo é possível na era da Internet, porém em matéria de massacre os cintas-largas, por exemplo, nada têm a aprender com Touro Sentado…
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Gratuito
Janistraquis botava alguma ordem em nossos arquivos quando descobriu este já empoeirado depacho de Celsinho Neto, diretor de nossa sucursal no Ceará:
‘Leiam o textinho publicado no Diário do Nordeste:
(…)Ofertado pela Prefeitura de Fortaleza, com o apoio do Sistema Verdes Mares e da Fundação Edson Queiroz, o Pré-Vestibular Nossa Vez é totalmente gratuito e destinado a quem concluiu ou está concluindo o Ensino Médio (antigo segundo grau) em escolas públicas ou que terminou ou está acabando o Supletivo do Segundo Grau.
Agora, me digam: existe algo parcialmente grátis? Acredito que não, mas para enfatizar o contrário, nosso querido matutino lascou um totalmente gratuito, para deixar bem claro que a coisa era pela conta do cão; um pleonasmo desse não tem quem queira… nem totalmente de graça…’
Janistraquis concorda, Celsinho, porém observa: ‘Ainda bem que não é totalmente gratuíííííííto, como a gente não pára de escutar no rádio e na TV’.
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Nota dez
O melhor texto da semana abriga-se na casamata do Observatório da Imprensa, sob o título A imprensa nos tempos de guerra, e emergiu do talento do mestre Deonísio da Silva:
O secretário-geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), Koichiro Matsuura, no cargo deste 1999 (…) propôs formação específica a jornalistas que trabalham em países em guerra. Acrescentou que ‘as autoridades devem respeitar o direito de trabalhar em condições razoáveis de segurança’.
(…) É conhecido o ditado dando conta de que a primeira baixa nas guerras é a verdade. Como trabalhar com isenção na cobertura de uma guerra? O exército dos EUA está praticando torturas no Iraque, como demonstrou o farto material divulgado recentemente. Jornalistas eventualmente protegidos pelas forças americanas poderiam narrar a guerra como ela está sendo travada? E se protegidos pela resistência iraquiana, como proceder para contar como vão as coisas no outro lado?
A íntegra do artigo está aqui.
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Errei, sim!
‘RABO LIVRE – Cada vez mais apaixonado pela Folha, Janistraquis chegou à conclusão de que seu jornal preferido não tem rabo preso nenhum, nem mesmo com o leitor. E leu, com a entonação do Cid Moreira, o título de um artigo de Carlos Eduardo Lacaz: Organização e o Abanar de Rabo do Cachorro. Meu secretário exultou: ‘Considerado, jamais estará preso o rabo que abana…’ (maio de 1988)’
LÍNGUA PORTUGUESA
‘Bingo e jogatina’, copyright Jornal do Brasil, 10/05/04
‘Bingo e caça-níqueis são palavras que chegaram ao português no século passado. Jogatina, porém, do italiano giocatina, entrou no Brasil nos últimos decênios do século 19. A palavra jogatina deriva de jogo, mas aos poucos deixou de ser considerada entretenimento, diversão, brincadeira, e passou a ter sentido pejorativo. Afinal, os jogos de azar explicitam um fundamento da economia de mercado, em que o trabalho e o capital dependem cada vez mais de forças sobre as quais o homem pós-globalizado tem cada vez menos poder. Também a economia virou jogo de azar, principalmente no Brasil. E os jogos de azar tornaram-se um bom negócio para seus proprietários. A palavra azar veio do árabe vulgar az-zahr, pelo francês assard, sorte, mas também falta dela. No árabe culto é Hazart, nome de um castelo, na Palestina, onde teria sido inventado o jogo de dados.
Quem apostou que o governo perderia para o bingo, ganhou. Por 32 a 31 votos, o Legislativo venceu o Executivo, e este tipo de jogo de azar foi liberado semana passada. Os senadores disseram não ao governo. Alguns bingos vinham funcionando por garantia do Judiciário, que concedera liminares contra a medida provisória enviada ao Congresso em 20 de fevereiro deste ano.
Bingo é palavra que veio do inglês bingo, farra, jogo, provavelmente formado a partir de binge, disposição à indulgência, dependência, e bout, luta, assomo, empenho. Designa jogo em que são utilizadas cartelas, pedras ou sinais eletrônicos com números e letras para combinações.
O bingo foi proibido no Brasil durante vários anos, até que o Congresso aprovou sua regulamentação, por meio da Lei 8 762/93, proposta pelo ex-jogador Zico, quando secretário de Esportes no governo de Fernando Collor de Mello. O audaz presidente, deposto pelo mesmo Senado que agora liberou o bingo, talvez quisesse fazer uma Las Vegas por essas bandas. No jogo do bicho deu zebra o dia que ele venceu as eleições. São insondáveis os desígnios ocultos do jogo, incluindo o jogo do bicho. No dia que Rui Barbosa, a Águia de Haia, morreu, deu águia.
Antes do cipoal de leis, decretos, medidas provisórias e liminares que vetaram ou autorizaram os bingos, os cassinos estiveram confinados a estâncias turísticas, facilitando o controle e a arrecadação. Várias entidades, até mesmo religiosas, e clubes esportivos, em especial os de futebol, têm utilizado o bingo para arrecadar fundos, sorteando carros e eletrodomésticos. Tais iniciativas estendem sobre o bingo o manto redentor da assistência social, mas em geral os significados apontam para um sentido pejorativo.
Caça-níquel e porta-níquel são palavras formadas do latim vulgar captiare, captar, pegar, e porta, de portare, levar, acompanhados do sueco Nickel, deus das minas que deu nome ao conhecido metal, depois utilizado para designar moedas.
O porta-níquel parecia aposentado entre nós, já que a inflação tinha transformado os níqueis no contrário do que apregoa a lei de Lavoisier: nada se aproveitava, tudo se perdia. Depois do Plano Real, porém, as pequenas carteiras destinadas às moedas reapareceram, e suas efígies tiveram mais sorte do que grandes figuras da literatura brasileira, como Machado de Assis, Cecília Meireles e Carlos Drummond de Andrade, estampadas em notas que hoje, reunidas, não pagariam um cafezinho.
A informática modernizou o bingo, o caça-níquel e a jogatina, que se tornaram eletrônicos. Os apostadores acompanham os resultados pela televisão.
O jogo prejudica imensamente os mais pobres, pois qualquer quantia retirada de seus minguados orçamentos é relevante. De todo modo, o maior azar não é de quem joga, mesmo perdendo. É de quem ganha salário-mínimo. Este sempre perde.’