Em seu trabalho informativo nos países mais problemáticos, este ano os jornalistas produziram uma mudança radical no uso da Internet e de outras ferramentas digitais. Blogs, compartilhamento de vídeos, mensagens de texto e coberturas ao vivo com telefones celulares mostraram ao mundo imagens das revoltas em massa na praça central do Cairo e na principal avenida da Tunísia.
Mas a tecnologia utilizada para a cobertura informativa foi igualada, de certa forma, pelas ferramentas usadas para suprimir a informação. Muitas das técnicas dos opressores mostram uma crescente sofisticação, desde os correios eletrônicos desenhados pelo governo chinês para apoderar-se dos computadores pessoais de jornalistas, até os cuidadosamente articulados ataques cibernéticos a sites de notícias em Belarus. Além disso, permanecem velhas ferramentas de repressão que são tão antigas quanto à própria imprensa, incluindo a prisão de repórteres que publicam na Internet na Síria e o uso de violência contra blogueiros na Rússia.
Para comemorar o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, em 3 de maio, o Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ) expõe as 10 estratégias mais usadas para a censura à Internet em todo o mundo, e os países que tomaram a dianteira em seu uso. O mais surpreendente sobre estes Opressores da Internet não é a sua identidade – já que são países com notórios antecedentes de repressão –, mas o quão rápido adaptaram velhas técnicas ao mundo da Internet.
Nas nações mencionadas anteriormente – Egito e Tunísia – os regimes mudaram, mas os sucessores não dissolveram definitivamente as práticas repressivas do passado. As táticas de outras nações – como Irã, que emprega sofisticadas ferramentas para destruir a tecnologia que evita a censura, e a Etiópia, que exerce monopólio sobre a Internet – são observadas e imitadas por regimes repressivos no mundo.
A seguir, as 10 ferramentas mais usadas para a censura na Internet.
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BLOQUEIO DA WEB
País em destaque: Irã
Muitos países censuram fontes de notícias online usando provedores de Internet locais e canais internacionais para configurar listas negras de sites da rede, e impedir o uso de certas palavras-chave pelos cidadãos. Desde a concorrida eleição presidencial de 2009, no entanto, o Irã aumentou dramaticamente a sofisticação do bloqueio à web, assim como seus esforços para destruir ferramentas que permitam aos jornalistas acessar ou criar conteúdo online.
Em janeiro de 2011, os criadores do Tor, uma ferramenta para evadir a privacidade e a censura, detectaram que os organismos de censura do país estavam usando novas e altamente avançadas técnicas para identificar e desmantelar programas de computação contra a censura. Em outubro, o blogueiro Hossein Ronaghi Maleki foi sentenciado a 15 anos de prisão por supostamente desenvolver um programa contra a filtragem na Internet, e capacitar online outros blogueiros iranianos. O tratamento do governo aos repórteres está entre os piores do mundo. Irã e China lideram a lista de 2010 do CPJ sobre os piores carcereiros da imprensa, com um registro total de 34 jornalistas presos por seu trabalho. Pelo investimento em tecnologias para bloquear a web, e a ativa perseguição àqueles que conseguem burlar tais restrições, o Irã está na dianteira em nível mundial.
Táticas em prática
>> Uma série de métodos repressivos
>> Os piores carcereiros do mundo
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CENSURA DE PRECISÃO
País em destaque: Belarus
A permanente filtragem de populares sites da rede leva, em geral, os usuários a encontrar formas de contornar o censor. Em consequência, muitos regimes repressivos atacam sites da Internet somente em momentos estrategicamente vitais. Em Belarus, o meio de comunicação opositor online Charter 97previu que seu site seria desmantelado durante a eleição presidencial de dezembro. E foi: no dia da eleição, o site foi derrubado por um ataque conhecido como negação de serviço (DOS, por sua sigla em inglês). O ataque DOS impede que um site funcione normalmente mediante uma sobrecarga do servidor com solicitações de comunicação externas.
De acordo com os informes locais, os usuários do ISP bielorrusso que tentavam visitar o Charter 97 foram redirecionados para um site falso criado por um desconhecido. A eleição, realizada sem o escrutínio de meios de comunicação críticos como o Charter 97, foi ofuscada por práticas pouco transparentes para a contagem de votos, segundo observadores internacionais. As medidas tecnológicas não foram o único ataque contra o Charter 97: os escritórios do site foram invadidos no início das eleições, e seus editores foram espancados, detidos e ameaçados. Em setembro de 2010, o fundador do site, Aleh Byabenin, foi encontrado enforcado em circunstâncias suspeitas.
Táticas em prática
>> Bloqueio de sites por uma eleição
>> Jornalistas online são alvo de ataques
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ACESSO NEGADO
País em destaque: Cuba
Avançados ataques tecnológicos contra jornalistas da Internet não são necessários se o acesso à rede é quase inexistente. Em Cuba, as políticas do governo deixaram a infraestrutura local de internet severamente limitada. Apenas uma pequena fração da população tem permissão para o uso de Internet em suas casas, enquanto uma ampla maioria deve utilizar os pontos de acesso controlados pelo governo mediante o registro de identidade, intensa vigilância e restrições de acesso a sites que não sejam de origem cubana. Para escrever ou ler notícias independentes, jornalistas online vão a cybercafés e utilizam contas oficiais de Internet vendidas no mercado negro.
Os que conseguem burlar os obstáculos enfrentam outros problemas. Conhecidos blogueiros como Yoani Sánchez têm sido desacreditados em um meio de comunicação acessível a todos os cubanos: a televisão estatal. Cuba e Venezuela recentemente anunciaram a construção de um cabo de fibra ótica entre os dois países que promete incrementar a conectividade internacional de Cuba. Mas não está claro se o público em geral se beneficiará da melhora da conectividade em um futuro próximo.
Táticas em prática
>> Blogueiros enfrentam grandes obstáculos
>> Sánchez chamada de “cyber-mercenária”
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CONTROLE DA INFRAESTRUTURA
País em destaque: Etiópia
Os sistemas de telecomunicações em muitos países estão fortemente ligados ao governo, o que concede uma poderosa forma de controlar os novos meios de comunicação. Na Etiópia, a companhia estatal de telecomunicações tem o monopólio sobre o acesso à Internet e a linhas telefônicas fixas ou celulares. Apesar de um acordo de administração e reposicionamento com a Telecom França em 2010, o governo ainda é proprietário e dirige a Ethio Telecom, permitindo que censure quando e onde ache necessário. A OpenNet Iniciative, projeto acadêmico global que monitora a filtragem e vigilância na Internet, afirmou que a Etiópia realiza uma filtragem “substancial” de notícias sobre política. Isto se compara à contínua investida da Etiópia contra jornalistas que trabalham fora da rede, quatro dos quais estão na prisão por seu trabalho, segundo antecedentes documentados pelo CPJ.
O controle do governo etíope não se estende apenas às linhas de telefone e acesso à Internet. O país também investiu em ampla tecnologia para o bloqueio de satélites, visando impedir que os cidadãos recebam notícias de fontes estrangeiras, como os serviços em idioma amárico da emissora Voz da América – patrocinada pelo governo dos Estados Unidos – e a televisão pública alemã Deutsche Welle.
Táticas em prática
>> Supressão de notícias sobre as revoltas no Oriente Médio
>> Controle sobre todos os meios de comunicação
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ATAQUES A SITES ADMINISTRADOS NO EXÍLIO
País em destaque: Mianmar
Para jornalistas que foram expulsos de seus próprios países, a Internet é um salvo-conduto que lhes permite continuar informando e opinando sobre sua terra natal. Mas os sites de notícias administrados do exílio também enfrentam censura e obstrução, muitas vezes perpetrados pelos governos de seus países de origem ou seus representantes. Sites no exílio que cobrem notícias em Mianmar enfrentam constantes ataques de negação do serviço. O meio de informação Irrawaddy na Tailândia, a agência de notícias Mizzima na Índia, e a Voz Democrática de Mianmar na Noruega, têm sofrido ofensivas que tem deixado seus sites inutilizáveis ou mais lentos.
Os ataques são frequentemente sincronizados com eventos políticos delicados, como o aniversário da Revolução Açafrão, um protesto contra o governo liderado por monges em 2007 que foi violentamente debelado. As autoridades acompanharam seus ataques tecnológicos com brutal repressão. Sites administrados do exílio dependem de jornalistas que estão disfarçados no país, que enviam seus informes de forma sigilosa. Este trabalho secreto é acompanhado de um risco extremo: ao menos cinco jornalistas da Voz Democrática de Mianmar estavam cumprindo longas sentenças de prisão quando o CPJ realizou seu censo anual de jornalistas encarcerados no mundo, em dezembro de 2010.
Táticas em prática
>> Ataques cibernéticos atingem sites no exílio
>> Repressão precede as eleições
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ATAQUES COM MALWARE
País em destaque: China
Programas de computação que provocam danos (conhecidos também por seu nome em inglês, Malwere) podem ser escondidos em correios eletrônicos aparentemente legítimos e enviados às contas privadas de jornalistas com um convincente, porém falso, cabeçalho. Caso seja aberto pelo repórter, o programa se instala no computador pessoal e pode ser usado de forma remota para espionar as outras comunicações do repórter, roubar seus documentos confidenciais e, inclusive, comandar o computador para que realize ataques online contra outros alvos. Jornalistas que trabalham na e sobre a China têm sido vítimas destes ataques, conhecidos como “pesca com arpão” (spear-phishing) em um padrão de conduta que indica claramente que os alvos foram escolhidos por seu trabalho.
Os ataques coincidiram com a entrega do Prêmio Nobel da Paz de 2010 ao escritor e defensor dos direitos humanos preso Liu Xiabo, e a supressão oficial de notícias que descrevem as revoltas no Oriente Médio. Peritos em segurança para computadores, como Metalab Asia e SecDev, averiguaram que tais programas de computador dirigiam-se especialmente a repórteres, dissidentes e organizações não governamentais.
Táticas em prática
>> Um falso convite para o Nobel
>> Apoderar-se de contas de correio eletrônico
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CRIMES CIBERNÉTICOS DO ESTADO
País em destaque: Tunísia sob Ben Ali
A censura de correios eletrônicos e redes sociais foi generalizada na Tunísia sob as ordens de Zine el-Abidine Bem Ali, como tem ocorrido em numerosos Estados repressivos. Mas, em 2010, a agência tunisiana de Internet levou seus esforços a um passo adiante, redirecionando os usuários tunisianos a páginas falsas criadas pelo governo para sites como Google, Yahoo e Facebook. Destas páginas, as autoridades roubaram nomes e senhas de usuários. Quando jornalistas online tunisianos começaram a enviar suas notícias sobre a revolta, o Estado usou estes dados para apagar o material.
O uso de páginas falsas, uma tática comum de hackers criminosos, está sendo adotada por agentes e apoiadores de regimes repressivos. Enquanto as práticas de crimes cibernéticos parecem ter sido abandonadas com o colapso do governo de Ben Ali, em janeiro, o novo governo não renunciou totalmente ao controle da Internet. Nas semanas que se seguiram, a administração anunciou que continuaria bloqueando sites da Internet que sejam “contra a decência, contenham elementos de violência, ou incitem ao ódio”.
Táticas em prática
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PODEROSOS INTERROMPEDORES DA INTERNET
País em destaque: Egito sob Mubarak
Desesperadamente apegado ao poder, o presidente Hosni Mubarak literalmente fechou o serviço de Internet no Egito em janeiro de 2011, impedindo os jornalistas online de informar ao mundo, e os usuários egípcios de acessar fontes de notícias na rede. O Egito não foi o primeiro a cortar sua conexão à Internet para restringir a cobertura de notícias: o acesso à Internet foi cortado em Mianmar durante uma revolta de 2007, enquanto a região chinesa de Xinjang o teve bem limitado, ou negado o acesso durante um conflito étnico em 2010.
O desintegrado governo de Mubarak não pode sustentar sua proibição por muito tempo: o acesso à Internet voltou aproximadamente uma semana depois. Mas a tática de desacelerar ou interromper o acesso à rede tem sido copiada desde aquela época por governos como Líbia ou Bahrein, que também enfrentam revoltas populares. Apesar da queda do regime de Mubarak, o governo militar de transição mostrou suas próprias tendências repressivas. Em abril, um blogueiro que escreve sobre temas políticos foi sentenciado a três anos de prisão por insultar as autoridades.
Táticas em prática
>> Egito desaparece da Internet
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DETENÇÃO DE BLOGUEIROS
País em destaque: Síria
Apesar dos ataques generalizados com avançada tecnologia contra jornalistas da web, as detenções arbitrárias continuam sendo a forma mais fácil de interromper os novos meios de comunicação. Blogueiros e repórteres de Internet constituem cerca da metade da lista de jornalistas presos elaborada pelo CPJ em 2010. A Síria continua como um dos locais mais perigosos do mundo para manter um blog pelos repetidos casos de curtos e longos períodos de detenção.
Em uma decisão a portas fechadas, em fevereiro, um tribunal sírio sentenciou a blogueira Tal al-Mallohi a cinco anos de prisão. O blog de al-Mallohi abordava os direitos palestinos, as frustrações dos cidadãos árabes com seus governos e o que ela percebia como um estancamento do mundo árabe. Em março, o jornalista online Khaled Elekhetyar foi detido por uma semana, enquanto o veterano blogueiro Ahmad Abu al-Khair foi detido pela segunda vez em dois meses.
Táticas em prática
>> Um blogueiro se converte em espião
>>A detenção entre outras ferramentas
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VIOLÊNCIA CONTRA JORNALISTAS DE INTERNET
País em destaque: Rússia
Em países com altos índices de violência contra a imprensa, os jornalistas da rede se converteram no mais recente alvo de ataques. Na Rússia, uma brutal agressão em novembro de 2010 deixou o proeminente repórter de finanças e blogueiro Oleg Kashin tão ferido que precisou ser hospitalizado e permaneceu certo tema em coma induzido. Ninguém foi preso pelo ataque ocorrido em Moscou, o que reflete os fracos antecedentes da Rússia na resolução de ataques contra a imprensa.
A agressão contra Kashin foi o mais recente de uma série de ataques contra jornalistas da web que incluem o realizado em 2009 contra Mikhail Afanasyev, editor de uma revista online na Sibéria, e o assassinato de Magomed Yebloyev, proprietário de um site de Internet na Ingushetia, em 2008.
Táticas em prática
>> Na web russa, repressão da velha escola conhece novas práticas
>> Sem justiça para assassinato de editor de um site de Internet
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Coordenador de campanhas de Internet do CPJ, com sede em São Francisco, trabalhou ao redor do mundo como jornalista e ativista cobrindo tecnologia e direitos na era digital