Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

As raízes do escândalo

Os jornais começam a apontar, na quinta-feira (25/06), por que os senadores mais aguerridos, aqueles que sempre aparecem nas primeiras páginas e nos noticiários da televisão condenando a corrupção dos outros, estão na muda, caladinhos diante da enchurrada de escândalos que se despeja na mídia desde o início da atual legislatura no Congresso Nacional.


O Globo esclarece que a quadrilha responsável pelos atos secretos que acobertavam trambiques, tramóias e truques foi formada em 1995, por meio de consórcio entre os partidos Democratas e PMDB.


Com o tempo, parlamentares de outras siglas se agregaram, e resulta que o Congresso se transformou numa grande quadrilha.


Não exatamente uma dessas quadrilhas de festa junina.


Mas o tema exige uma análise mais profunda.


Talvez seja o caso, por exemplo, de se refletir se a própria organização política proposta pela Constituição de 1988 não seria a causa original de tantos desvios.


Ao propor uma ‘constituinte cidadã’, como a definiu o desaparecido deputado Ulysses Guimarães, os parlamentares teriam, na verdade, regulamentado os interesses da chamada ‘sociedade civil organizada’, construindo um emaranhado de interesses específicos, corporativistas, que facilitam e até induzem à apropriação das instituições públicas por grupos de poder.


A tomada do poder pelos políticos que formavam o chamado ‘Centrão’ no tempo da Constituinte é a raiz do histórico de desmandos que mancha o Legislativo.


Afinal, esse é o grupo que sempre se pautou pelo princípio segundo o qual ‘é dando que se recebe’.


Os escândalos que abalam a credibilidade do poder Legislativo neste ano de 2009 têm a mesma origem e natureza de tantos outros escândalos que são noticiados há duas décadas: um grupo de funcionários de confiança, encravados em postos estratégicos pelos dirigentes de plantão, funciona como a mão do gato para a apropriação de recursos públicos ou para a criação e perpetuação de privilégios.


Mas nunca, em toda a história conhecida das falcatruas, ninguém brilhou tanto na arte de manipular o poder público como o atual presidente do Senado, José Sarney.


Perdeu-se completamente a medida dos limites.


Ainda assim, não se vê na televisão a face corada dos indignados com outros escândalos.


Por que será?


O bode na sala da Folha


Para se ter idéia do poder de influência de José Sarney entre seus pares, basta ler o que publica hoje O Globo a respeito da estrutura sob seu controle: ele tem 39 funcionários em seu gabinete de senador, mais 57 no gabinete da presidência, além de dez auxiliares no cerimonial e 14 na segurança.


Isso cria uma verdadeira corte com 120 servidores, fora aqueles que ele controla nos gabinetes de outros parlamentares no Senado e na Câmara e nos setores administrativos do Congresso, de onde sairam os mais de 660 atos secretos que fazem o escândalo da hora.


Junto com seu parceiro Renan Calheiros, José Sarney criou 174 cargos nos últimos anos.


Agora, pressionado a resolver os desmandos criados por seus apaniguados, afirma que não foi eleito para ‘limpar as lixeiras da cozinha da Casa’.


Ele quer dizer, com isso, que sua vocação é cuidar das coisas mais nobres da política.


E o surpreendente é que tal afirmação não surpreende mais ninguém.


Nem mesmo a imprensa.


A depender da imprensa, aliás, tudo se resumiria a afastar os diretores acusados de produzir os atos administrativos secretos.


O Estado de S.Paulo é a exceção positiva.


Nesta quinta, por exemplo, revela que outro neto de José Sarney está incluído na mamata: o jovem empreendedor José Adriano, filho do deputado Zequinha Sarney, ganhou o direito de intermediar empréstimos consignados no Senado.


A Folha de S.Paulo, através de reportagens e de alguns colunistas, tenta convencer o leitor de que Sarney não é o grande mal, ou o único mal.


A boa exceção na Folha é o colunista Janio de Freitas.


Mas o leitor atento sabe que a melhor maneira de não levar o tema às últimas consequências é generalizar as acusações, como na afirmação do tipo ‘afastar Sarney da presidência seria apenas tirar o bode da sala’, como alega nesta quinta o colunista Clóvis Rossi.


O bode, na verdade, está bem ali ao lado, na mesma página, todas as sextas-feiras.


Ora, por tudo que já foi noticiado, não se trata apenas de deixar a presidência do Senado, mas de ser exonerado da vida pública.